Amanda Machado, 26 anos, encontrou uma forma doce de domar a saudade. Menos de 40 dias depois do acidente com o voo da Chapecoense, ela encarou a vida a partir de um projeto delineado com o marido, o lateral-esquerdo Dener. Nunca imaginou que os doces que o faziam salivar seriam uma ponte a uni-los.
Nos almoços de domingo, em que servia um saboroso strogonoff seguido de petit-gateau na sobremesa, ou nas caminhadas noturnas pela cidade para passear com o cachorro, Amanda e Dener planejavam lançar uma loja de brigadeiros gourmets. Inspiravam-se nos quiosques dos shoppings e vislumbravam seus doces espalhados pelo Brasil.
O sucesso alcançado por Dener já o permitia planejar o futuro e uma vida fora do campo. Aos 25 anos, depois de surgir no Grêmio em 2011 e ganhar escassas cinco chances, ele ganhou o mundo em 2012. Começou pelo Veranópolis e passou por Caxias, Ituano e Coritiba antes de desembarcar em Chapecó. Foram dois anos mágicos no oeste catarinense. Tão mágicos que nas semanas que antecederam o acidente havia conversas adiantadas com o São Paulo.
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Sim, Dener jogaria no Morumbi. Seria a prova definitiva de que os dias de dureza do jovem casal haviam ficado para trás. Houve uma ocasião em que o atraso salarial de três meses em um clube fez faltar dinheiro até para o gás. O embaraço deixou a lição de que era preciso cuidar das finanças com a mesma vigilância destinada aos atacantes rápidos em campo. Ainda mais que a família havia crescido com a chegada de Bernardo, em 2014.
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Por isso, Amanda e Dener planejavam cada passo na vida. O projeto da loja de doces estava bem esboçado. Karine, madrinha de Bernardo e amiga de uma década de Amanda, seria a sócia. Karine já fazia doces por encomenda em casa, no bairro Partenon, na Capital. Reforçava com ele o orçamento e bancava os gastos, que incluíam a faculdade de Enfermagem. O plano era investir em Karine, com cursos e aprimoramento, e iniciar produção em pequena escala até chegar aos quiosques em shoppings.
Só que o mundo de Amanda desabou na madrugada de 29 de novembro. Foram dias intermináveis na Chapecó em que até então só havia vivido radiante de felicidade. Vencidas as espinhosas etapas burocráticas que surgiram depois do enterro, ela encontrou refúgio em Porto Alegre. Jorge Machado, empresário de Dener, e a mulher a acolheram em casa, na Chácara das Pedras. Amanda os chama de pai e mãe adotivos. Para Bernardo, eles são o vô e a vó. Mas mesmo com o carinho deles e dos amigos, a dor ainda corroía. Foram 15 dias sem comer, apenas à base de água e suco. Quando Amanda voltou a se alimentar, as pequenas porções provocavam queimações no estômago.
– O Natal, nem quis saber, fui dormir cedo. O Bernardo aproveitou, No Ano-Novo, já foi um pouco melhor, fiquei com o pessoal na praia. Mas não dava vontade de nada. Percebi, então, que não podia ficar numa cama chorando. Tinha um filho de dois anos para criar. E não era assim que o Dener queria me ver – conta Amanda, na cozinha da casa de Karine, o ateliê delas.
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Foi perto da virada do ano que ela decidiu encarar mais um golpe levado da vida. Aos 10 anos, Amanda perdeu a mãe. Seis meses depois, viu partir a avó, que a havia assumido. Aos 26, ficou sem o amor da vida. O namoro com Dener começou quando ele era reserva na base do Grêmio, há sete anos. Foi por acaso.
Ela solucionava o problema no MSN de um amigo em comum quando o lateral entrou na conversa. O papo fluiu. Foram três meses até se conhecerem, em encontro marcado numa parada de ônibus. Ao final de seis meses, sentiam saudade se ficavam sem se falar. Quando Dener foi promovido no Grêmio, alugou um apartamento e a convidou para morar junto.
Amanda se diverte ao contar a história. Faz poucas semanas que ela voltou a sorrir. O brilho no olhar retornou quando decidiu colocar em prática o projeto elaborado com o marido. Chamou a fiel amiga Karine e lançou a D6 Doces. O lançamento se deu no Instagram. Amanda é ativa nas redes sociais. Seus vídeos com o marido e Bernardo eram sucesso em Chapecó. Por isso, as encomendas chegam, principalmente, de lá. Na primeira leva, foram 32 pedidos e mais de 450 brigadeiros. Ela contratou dois amigos para fazer a entrega. Ainda não estava pronta o suficiente para voltar à cidade.
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A segunda encomenda será entregue neste fim de semana. Por ela e pela sócia. Nesta sexta-feira, às 10h, as duas iniciam a viagem de carro até Chapecó. São 74 pedidos e mais de mil brigadeiros. Amanda pensou em levá-los prontos. Desistiu. Precisará de uma cozinha para finalizá-los. Deu-se conta de que o apartamento dela e de Dener na cidade está fechado. Vai reabri-lo também pela primeira vez desde o acidente. Não sabe como reagirá. Mas prevê que será com naturalidade. A mesma que teve quando decidiu que o brigadeiro com recheio de bombom Sonho de Valsa, o preferido do marido, seria batizado com o nome de "Deninho".
– Não estou fazendo isso por dinheiro. Não preciso. Mas enquanto estou produzindo os doces, estou envolvida e não tenho tempo de pensar em muitas coisas. E fazê-los também é uma forma de homenagear o Dener. Nossa vida era muito doce – conta Amanda, que encontrou uma forma doce de driblar a saudade e levantar das rasteiras que a vida aplica.
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