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Posso estar na Redação, em casa, em jantas com amigos, mas um pedaço de mim segue no Maracanã, preso ao dia 5 de agosto de 2016. Deixei um pouco do meu coração nas cadeiras da tribuna de imprensa, e para lá me mudo sempre que a memória, feliz e emotiva como aquela noite, faz viagem de retorno.
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Ainda encho os olhos d'água ao lembrar de cada pedaço da cerimônia de abertura. A começar pelo rap que ecoava pelo estádio a dizer que queremos andar tranquilamente por nossas favelas, enquanto os barracos estavam ali, mostrados com orgulho. Volto no tempo para ver o senhor vestido de branco a chamar lendas do samba de chocalho na mão: "Chama Pixinguinha, chama...". E assim foi com Noel Rosa, Clementina de Jesus e tantos outros. Tenho a memória do hino na voz tranquila de Paulinho da Viola e a improvável e entrosada parceria de Gil, Caetano e Anitta ensinando que não temos medo de fumaça e, apesar de tudo, somos um país que canta e é feliz.
E não foi só a festa de abertura. Mesmo quando estava vazio, às vésperas dos Jogos, o Parque Olímpico à noite era um negócio de cair o queixo. Quando se enchia de gente com sorriso largo, festejando como só o brasileiro sabe, era ainda mais especial. Poucos dias antes do fim dos Jogos, passei na frente do Velódromo e encontrei a bateria da Imperatriz Leopoldinense, acompanhada de passistas em meio ao público. Uma celebração que pouco tem a ver com Olimpíada, certo? Talvez. Mas quer algo mais "olímpico" do que a euforia, a alegria, o sorriso aberto comum ao atleta campeão e ao espectador que samba com as arenas ao fundo? Algo me diz que nosso povo foi feito para receber Olimpíadas – talvez nosso país, não. Quem sabe os japoneses importem o público daqui em 2020?
Sei que houve desinformação dos voluntários, alimentação precária e uma ou outra falha na estrutura, mas não importa. Havia o que é essencial a qualquer edição dos Jogos: congregação. O custo do evento dá ideia de que tudo foi em vão, só que ficou um legado sentimental sem preço. Tenho certeza de que, assim como volto repetidas vezes à tribuna do Maracanã, ao Estádio Aquático, às Arenas Cariocas, outras testemunhas das duas semanas de agosto passado também têm momentos de olhar perdido, procurando na lembrança as sensações únicas daqueles dias. São as mesmas sensações que esticaram os
15 dias, transformando-os em 365: para quem esteve lá, o Rio 2016 não acabou. Não é legado suficiente depois das montanhas de dinheiro gastas com a festa, mas ninguém poderá dizer que memórias tão alegres e orgulhosas não têm importância.