
Desde que Ayrton Senna espatifou a Williams na curva Tamburello, o Brasil teve 14 pilotos na Fórmula-1. Em 20 anos, dois deles se credenciaram como sucessores do tricampeão: Rubens Barrichello e Felipe Massa. Juntos, somam 22 vitórias e 29 poles. Pela Ferrari, conquistaram três vice-campeonatos. Mas apesar das carreiras respeitáveis, a torcida sente frustração.
- O problema é que o brasileiro só dá valor a quem é campeão - diz Ricardo Zonta, ex-piloto da categoria e hoje na Stock Car.
Com bagagem de mais de 300 corridas de F-1 desde 1970, o jornalista Lemyr Martins define a personalidade como diferencial para os títulos de Senna e o quase de Rubinho e Massa.
- O Ayrton tinha uma personalidade muito forte, sempre correu para ganhar e enfrentou sempre grandes desafios dentro das equipes. Na Lotus, vetou o Derek Warwick como companheiro. Na McLaren, encarou Prost, que já era bicampeão.
Lemyr observa que Massa perdeu a taça em 2008 porque faltou atitude na Ferrari. Também frisa que, no ano seguinte, Barrichello teve chance de se tornar campeão pela Brawn GP, mas foi derrotado por um "mediano" Jenson Button:
- Massa é bom piloto, mas mal entrou na Williams e já pediram para ele abrir passagem. Pede isso para o Senna ou Piquet para ver o que acontece. Campeão precisa de talento e personalidade. Senna só cedeu ultrapassagem uma vez, para Gerhard Berger, na última curva da corrida em que conquistou o tricampeonato.
Para o jornalista e pesquisador em automobilismo Paulo McCoy Lava, o quase título, em especial o de Massa, motivou os torcedores, mas a confiança se dizimou quando os dois abriram passagem a seus companheiros:
- A grande contribuição de Barrichello e Massa é, acima de tudo, mostrar que o ambiente da categoria não é um "mar de rosas", que é uma grande empresa, na qual decisões são impostas e ou o piloto obedece ou cede lugar a outro.
Ex-piloto e atual comentarista da TV Globo, Luciano Burti observa que, para ser campeão, é preciso uma combinação entre talento acima da média, carro entre os dois melhores do grid, ser mais forte que o companheiro e, ainda, ter a equipe ao seu lado:
- Não conseguimos equalizar esses fatores de acordo com o necessário.
A falta de um brasileiro campeão no grid ou nos bastidores também é vista por Burti como problema. Para ele, um padrinho abre espaço para os mais jovens:
- No Brasil, o esporte vive muito do momento, depende de padrinhos vivendo fase vitoriosa.
Investimento na formação de pilotos desafia
Zonta acredita que ter alguém de peso ajuda, mas mais importante é ter quem trace um planejamento para buscar patrocínios desde o começo da carreira. E Lava complementa: sem um empresário com livre trânsito junto aos principais times, o caminho fica mais complicado:
- O custo operacional de um carro de F-1 é muito alto para que se gaste tanto dinheiro só com quem tem talento. Isso explica porque gestores recrutam jovens e acompanham de perto o dia a dia, como Lewis Hamilton, que desde 1995 foi "apadrinhado" por Ron Dennis e treinado.
Mas nem sempre a recíproca é verdadeira. Com o pedigree do pai tricampeão e forte apoio de patrocinadores, Nelsinho Piquet estreou na F-1 na Renault. E, após um surpreendente segundo lugar no ano de estreia, aceitou bater o carro de propósito para favorecer o companheiro Fernando Alonso em Cingapura, em 2008. E saiu pela porta dos fundos.
Outro revés é o fato de o automobilismo brasileiro não ter acompanhado a evolução técnica da Europa. Burti aponta que, até a época do Senna, a estrutura era parecida, mas na década de 1990 os europeus passaram a investir em academias de formação de pilotos, o que o Brasil não fez.
- Todos os campões que tivemos foram frutos de um automobilismo que existia no Brasil, hoje substituído por categorias profissionais _ como Fórmula Truck e Stock Car _, devidamente estabilizadas, mas sem perspectiva de revelar talentos para a F-1.
Burti vai além. Para ele, por mais que investimentos sejam feitos e os brasileiros aspirantes à F-1 tenham patrocinadores que os permitam ingressar na categoria com um carro capaz de lutar por vitórias, o desafio é trabalhar a formação dos futuros pilotos.
Hoje, a principal esperança de o país voltar a ter um campeão é Felipe Nasr. Aos 21 anos, o brasiliense é piloto de testes da Williams - com aval de polpudos patrocinadores e um árduo desafio por oportunidade em um time vencedor. Lemyr é cético. E pondera outro empecilho, decorrente do legado de Ayrton:
- Estamos em uma fase das vacas magras, mas o fato é que a morte do Senna colocou em cima dos sucessores um peso muito grande. É difícil substituir um ídolo. E ter um gênio como referência é ainda mais complicado.
Felipe Massa: campeão por 30 segundos

Com bom desempenho nas categorias de base, Felipe Massa chamou a atenção da Ferrari e passou a ser acompanhado e lapidado pelo time. Depois de três temporadas na Sauber, sucedeu Rubens Barrichello na escuderia italiana em 2006.
No ano de estreia, conquistou o GP do Brasil, a primeira vitória de um brasileiro em casa desde Senna. E celebrou com a bandeira do país em punho, como Ayrton, empolgando a torcida.
Dois anos depois, venceu seis vezes na temporada e cruzou a linha de chegada em Interlagos como campeão. Mas durou só 30 segundos. Lewis Hamilton (McLaren) fez uma ultrapassagem na última volta, a 500 metros da bandeirada, e lhe tirou o título por um mísero ponto.
Em 2009, no entanto, um acidente na Hungria - quando uma mola atingiu seu capacete - o afastou da disputa. No ano seguinte, viria o pior: no GP da Alemanha, Felipe obedeceu à ordem da Ferrari e cedeu a liderança ao companheiro Fernando Alonso. Dali em diante, foram cinco pódios e nenhuma vitória em 62 corridas.
A carreira
- 197 GPs
- 11 Vitórias
- 15 Poles
- 36 Pódios
- Vice-campeão em 2008
Rubens Barrichello: preterido pelo alemão

No início dos anos 1990, Senna e Nelson Piquet apontaram Rubens Barrichelo como um talento promissor. Apesar do bom desempenho nas categorias de acesso, a dificuldade era conseguir uma vaga no grid. Mas Barrichello persistiu e, depois de corridas surpreendentes com a modesta Jordan - incluindo uma pole e um pódio -, lançou esperança.
De 1997 a 1999, conquistou um impressionante segundo lugar em Mônaco, relembrando Senna. Contratado pela Ferrari em 2000, ganhou pela primeira vez na carreira na Alemanha, na chuva, e fez a torcida crer que seria o sucessor tão esperado de Ayrton. Mas o desfecho não foi feliz.
Vice-campeão em 2002 e 2004, Rubinho deixou a Ferrari com rótulo de capacho de Michael Schumacher. Isso ganhou força quando, no GP da Áustria de 2002, o brasileiro freou a poucos metros da bandeirada e cedeu a vitória ao alemão, a pedido da equipe. Foi uma decepção.
Apesar do talento, Barrichello não pôde disputar o campeonato em condições iguais por dividir a equipe com Schumacher, o queridinho da Ferrari, e acabar preterido. A chance de lutar pela taça veio em 2009, na Brawn GP, mas o brasileiro perdeu o duelo interno com Jenson Button. Encerrou a carreira em 2012, após 19 temporadas disputadas.
A carreira
- 326 GPs
- 11 Vitórias
- 14 Poles
- 68 Pódios
- Vice-campeão em 2002 e 2004