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É impossível negar: Rubens Barrichello está mais leve. Parece ter tirado um peso das costas. Afinal, logo em sua segunda temporada inteira na Stock Car, o piloto já garantiu um título. Algo que não vinha há 23 anos, quando conquistou a Fórmula-3 inglesa, em 1991.
Mas a conquista não é o único motivo para isso. De volta ao seu país natal após 19 anos de Fórmula-1 e um na IndyCar, o piloto está mais perto da família no Brasil. A presença da esposa Silvana e dos filhos Eduardo e Fernando é quase constante nas corridas. E isso tem ajudado muito.
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Qual a satisfação de conquistar o título da Stock Car logo em seu segundo ano. Foi uma surpresa?
Barrichello - Mais do que tudo, não é o fator surpresa. O fato é voltar para Brasil de uma forma competitiva e poder andar bem. Isso é algo muito legal. Provavelmente, se eu tivesse a condição de competir um ano a mais na IndyCar teria aprendido mais sobre todas as pistas, mudaria para uma equipe melhor e teria mais chances. Mas a Stock Car é o contrário daquilo que imaginamos e também da Fórmula-1. Conto sempre a história que na primeira vez, no momento em que a porta do carro fechou, pedi para abrir de novo, me deu uma sensação de claustrofobia, e isso eu nunca tive. Já parou o elevador comigo dentro, eu nunca tive isso. Mas na Stock Car o carro é muito fechado, um calor danado, insuportável, fiz bastante sauna pra acostumar com ele. Não começamos o ano bem, fizemos as modificações que precisavam ser feitas e isso rendeu bons frutos. A primeira delas foi ganhar R$ 1 milhão (ao vencer a Corrida do Milhão em Goiânia), não pelo dinheiro, mas por dar aquela motivada na equipe e mostrar que éramos capazes.
Você esperava todo o carinho que vem recebendo da torcida?
Barrichello - Uma pessoa que tem como base a família, que tem como a situação tudo aquilo de bom que o pai passou, não precisa ter coisas contrárias, que são antagônicas. É lógico que a partir do momento que eu encarei para mim, sempre soube que 33% gostam de você, 33% não gostam e 33% não se importam. Então, passei a viver muito melhor. Infelizmente no Brasil, acaba se vendendo a notícia ruim como a melhor, porque ela é a mais lida, é configurada para que a pessoa comente, ela entra no fator comentário e isso faz com que se distorça aquilo que o cara realmente é. Se o leigo tiver vontade de perder um pouco de tempo e ir atrás de quando comecei, da minha primeira corrida de kart, ele vai ver que é uma carreira vitoriosa. Agora, se for ver que o cara deixou o (Michael) Schumacher passar, fez não sei o que, o leigo não vai entender nada e vai meter o pau. Então, é natural que tenhamos essas coisas antagônicas, mas mais do que tudo, com 42 anos, posso olhar no espelho e não gostar da beleza, mas gosto daquilo que vejo e que posso repassar para os meus filhos de uma maneira melhor ainda. Não é com uma vitória ou pódio que eles estão crescendo como educação, é quando eles estão vendo as dificuldades e fracassos. Com isso, vão ser mais fortes do que eu fui.
Houve alguma mudança no automobilismo atual? A Stock Car está mais organizada?
Barrichello - Tem patamar para subir, mas mudou sim. A pista de Goiânia é um exemplo disso. Reformularam em uma situação na qual íamos correr uma vez e voltamos para uma segunda prova. Isso mostra a importância da Stock Car para o público regional e nacional. Vi nisso mudanças. Não se cria algo pela Stock Car somente, mas já foram correr lá a Fórmula-3, o Campeonato de Marcas. Daí, se cria o salto que precisamos dar para nosso automobilismo nacional. Espero que, em cinco anos, seja uma categoria internacional ou nossa, que possamos voltar a ter uma categoria do estilo da Fórmula Ford e possamos levar nossos grandes meninos do kart para aprimorar os conhecimentos de fórmula antes de ir para fora. Que vão para fora, vão, porque a Fórmula-1 não é brasileira. Você tem crianças correndo no kart, dizendo que o sonho é chegar na Stock Car. Legal, é um sonho que tem de ser consumado. Até pergunto: "Mas poxa, não é a Fórmula-1?" E não é. É um carro de Stock Car, guiar um DTM. Acho isso muito legal, porque é diferenciado. Mas quem quer chegar na Fórmula-1, tem de sair do kart sem passar por uma categoria como eu passei na Fórmula Ford, que foi essencial para eu saber de marchas, ter condições reais e nunca esquecer que, quando dei três voltas de carro, competindo com outros 16 pilotos por uma vaga, depois da terceira volta o cara me parou e falou: "Você está contratado". Isso aconteceu porque a F-Ford me deu uma base. Acho isso importantíssimo.
Hoje a Stock Car é uma competição que vale a pena financeiramente para correr?
Barrichello - Só o fato de você falar que pode passar do amador para o lado profissional, já dá algum ganho. A Stock Car tem equipes que podem contratar pilotos de outras ou de categorias diferentes para seu campeonato. Por mais que o salário não seja grandioso, já coloca a categoria em um patamar diferente, como é a V8 australiana, a DTM... Acho isso muito legal.
Você tem algum sonho de voltar a correr lá fora? Teve a história de que você poderia correr pela Caterham no GP do Brasil da Fórmula-1.
Barrichello - Não, meu sonho está consumado. Para resumir essa história, porque muitos falaram e criticaram. Se você é dono de uma equipe de Fórmula-1, e me convida para correr dentro da minha casa, eu posso ter 79 anos, não tenha dúvidas que vou aceitar. Esse é o ponto inicial e final. Mas se eu iria fazer, não importa. Eu que tive uma carreira, iria dar a cara para bater em uma equipe pequena? Não importa. Amigo, é na minha casa, no quintal da minha casa. E poxa, para o cara ter passado por 700 mil pilotos e ter pensado no Rubens Barrichello, porque é no Brasil, porque andou bem, porque pode trazer um ponto para equipe, é sensacional. Isso é a coisa mais legal. Valorizar o ponto positivo da questão. O ponto negativo, o cara vai chegar em último... Se com 79 anos, eu tiver um convite para correr na Fórmula-1, não tenha dúvidas que enquanto tiver minha parte funcional trabalhando e meu pescoço aguentar... Hoje, tenho mais dores lombares do que na minha época de Fórmula-1. Por quê? Porque ando muito mais de kart com meus filhos do que andava naquele tempo. Hoje, tenho tempo de brincar.
Em 19 anos de Fórmula-1, o que te marcou mais e o que te frustrou mais? E o que você mudaria hoje na Stock Car?
Barrichello - Gostaria de ver a Stock Car aumentando o número de corridas e buscando outros ambientes para correr. Os atuais e outras pistas. Me sinto agraciado de estar na Stock Car hoje e ver que as pessoas estão me conhecendo. Quem fala mal, é porque não me conhece. Então, daquilo que fiz de Fórmula-1, não mudaria. Lógico que você tem situações pecualiares, que você poderia pensar diferente. Mesmo porque, muitas coisas para nós no passado são acertadas ou vice-versa. Mas a realidade é: esses fracassos do passado são o que nos tornam melhor hoje. Não mudaria nada.
Correu de Fórmula Indy, Fórmula-1 e Stock Car. Onde mais você correria?
Barrichello - Sou superaberto. Enquanto tiver a mente jovem e o corpo em dia, tudo pode acontecer. Muitos me perguntam se não tenho vontade de correr nas 24 horas de Le Mans, e é algo legal para se pensar. Poderia ser uma boa se for de forma competitiva.
*LANCEPRESS