Geral

Geral

Dez sobreviventes narram drama do Rio Jacuí

Homens que despencaram com a ponte no rio, em Agudo, descrevem como conseguiram se manter vivos e conter a apreensão até a chegada do resgate

Daniel Marenco / null
Bartmann, Boeck, Hettwer, Wilhelm, Prade, Goltz e Falke falaram dos momentos de sufoco até serem resgatados no Rio Jacuí

A agonia durou meia hora para uns, uma hora para outros. Mas todos os 10 homens que, na terça-feira, despencaram com a ponte nas água tormentosas do Jacuí, entre Agudo e Restinga Seca, descrevem as mesmas cenas de terror. Um estrondo, o chão desmoronando sob os pés, as pernas viradas para cima, o céu azul se transformando num líquido amarronzado e borbulhante quando mergulharam na correnteza lamacenta do rio. Luta para voltar à superfície, para respirar, para se segurar em algo. Três deles se salvaram agarrados a cabos de fibra óptica de telefonia que passavam rente à ponte. Todos sabiam nadar. Restou o alívio de serem resgatados e encarar a vida de uma nova forma: como algo que merece ser experimentado a pleno, sorvido gota a gota, desfrutado. Afinal, sobreviveram. ZH e Diário de Santa Maria percorreram três municípios e dezenas de quilômetros para localizar os 10 sobreviventes da tragédia que espantou e entristeceu o Rio Grande.

> Em áudio, repórter narra o momento em que ponte desabou em Agudo
> Em vídeo, moradores relatam tremor minutos antes da queda
> Governadora fala sobre o desabamento. Assista ao vídeo da entrevista

Confira como foi a tragédia:



Jocelito Bartmann, 39 anos
MECÂNICO, DOIS FILHOS, SABE NADAR BEM

Ele e o sócio Silmar, donos de uma oficina em Paraíso do Sul, foram chamados para consertar um carro que estragou próximo à ponte sobre o Jacuí, em Agudo. Já que estavam ali, aproveitaram para olhar a várzea inundada, que se transformara em rio caudaloso. Ouviu um ruído de trovão e tudo veio abaixo. Jocelito caiu direto na água, em cima dos pedaços de concreto da ponte desmoronada, de forma que até machucou os pés. A correnteza o levou para a copa de uma árvore semissubmersa, na qual ele permaneceu por uma hora. Fora as esfoladuras e o pé dormente, está bem.

Frederico Germano Boeck, 43 anos
CAMINHONEIRO, DOIS FILHOS, SABE NADAR

O volume colossal das águas do Jacuí motivou a ida de Boeck à ponte. Fritz, como é chamado, queria registrar em fotos tamanha fúria. Ao chegar à cabeceira da ponte, temeu cruzá-la.

- Não tive coragem. Caminhei uns 20 passos, tirei umas fotos e comecei a voltar - recorda.

Foi quando o colosso de concreto e ferro cedeu. Sem chão, Boeck foi para o fundo do rio:

- Fui escorregando, escorregando, até cair. Parecia desenho animado.

Boeck agarrou-se a um cabo de fibra óptica até suas forças arrefecerem. Quando já não aguentava mais, conseguiu subir numa moita. Estava a salvo, calculou. Mas, lentamente, os arbustos começaram a ceder. Antes de submergir com a vegetação, Boeck conseguiu nadar até uma área de lavoura, fora do curso do rio, de onde foi resgatado.

Silmar Hettwer, 44 anos
MECÂNICO, UM FILHO, SABE NADAR BEM

Ser resgatado das águas barrentas do Jacuí foi um presente antecipado de aniversário para Silmar, 44 anos completados hoje. Ele consertava um veículo estragado, com o sócio Jocelito, quando resolveu "dar uma espiada" no Jacuí, fora do leito. Olhava, espantado, para as lavouras debaixo da água e nem viu a ponte cair. Apenas ouviu. Quando se deu por conta, estava na água, sendo carregado. Agarrou-se na copa de uma árvore, com Jocelito, e foi com ele resgatado, uma hora após a queda, por um barqueiro da prefeitura de Agudo. Menos de 24 horas depois, consertava carros na oficina em Paraíso do Sul e contava aos amigos que agora tem dois aniversários.

Silmar Wilhelm, 49 anos
AGRICULTOR, CINCO FILHOS, SABE NADAR

Wilhelm cruzou os 312 metros entre as duas cabeceiras da ponte, apreciou a força do rio e retornou em direção a Agudo. Distante 30 metros da cabeceira, porém, ouviu um barulho seguido de um balanço:

- Era como se ponte estivesse trincando.

Wilhelm correu para o asfalto firme, mas sentiu que subia uma ladeira. Era o piso, cedendo, apontando a extremidade para o céu.

- Eu corria cerro acima. Fui inclinando, descendo e mergulhei na água - detalha.

Wilhelm bebeu água turva até encontrar abrigo em arbustos. Deu a mão para Elio Prade e esperou 40 minutos pelo resgate:

- Para mim, demorou uma vida toda.

Elio Prade, 57 anos
BANCÁRIO APOSENTADO, UM FILHO, SABE NADAR

Tirava fotos quando ouviu o estrondo e a parte da ponte se inclinou, lentamente. Elio ainda tentou subir a pista que se transformou em parede escorregadia, arrebentou a máquina, mas despencou cinco metros até a água. Salvou-se por ter sido contido, pela barriga, num cabo de fibra óptica que teimou em permanecer estendido no meio do rio, enquanto a ponte ruía. Elio então se deixou levar para uma árvore. Quase se afogou, mas aguentou. Apesar dos seus mais de cem quilos, foi içado por um barqueiro. À noite, o mesmo barqueiro encontrou sua carteira, dinheiro e a chave do carro, numa moita do rio.

- Testei e o alarme do carro funcionou, mesmo após horas submerso - comemora.

Sérgio Goltz, 50 anos
DONO DE OLARIA, DOIS FILHOS, SABE NADAR

Proprietário de uma olaria, Goltz também foi atraído pela curiosidade até a ponte no dia da tragédia.

- Queria ver uns eucaliptos que a gente planta na região - revela.

Quando tudo veio abaixo, Goltz, que estava próximo da cabeceira, se agarrou a um cabo de fibra óptica para não ser levado pela correnteza. Sem se desesperar, ele conseguiu nadar até a margem. De todos os sobreviventes, é o que ficou menos tempo na água - cerca de cinco minutos.

- O que fica disso tudo é a imagem daquele pessoal que se foi e não apareceu mais - lamenta o industrialista.

Luís Falke, 33 anos
TÉCNICO AGRÍCOLA, UM FILHO, SABE NADAR COMO UM PEIXE

Especialista em fumo, Falke examinava e fotografava as lavouras inundadas pelo Jacuí, para elaborar um relatório para a empresa em que trabalha. Estava com o olho grudado na câmera quando ouviu o estouro e desceu direto para a água. Torceu o braço direito na queda, mas não desgrudou da máquina e nem do celular. Afundou com os dois. Nadou até uma árvore - a segunda vez na semana, já que no dia anterior salvara gado que estava ilhado pela enchente. Não perdeu sequer os documentos, que deixara na caminhonete. Agora tenta salvar a máquina, usando um secador de cabelos, brinca. Não pretende deixar de nadar no Jacuí, apesar do susto.

Mauro Ricardo Hatschbach, 37 anos
AGRICULTOR, UM FILHO, NADA BEM

Escoriações pelo corpo marcam a queda no Jacuí. Na memória, lembranças da aflição:

- É triste saber que teve gente que talvez não se salvou - diz Hatschbach, que ao ouvir um estrondo e ver a ponte se partindo, tentou pular para o lado firme, mas não deu tempo. Na água, nadou até galhos e aguardou mais de uma hora:

- A água vinha com força e passava por cima de mim. Tomei bastante água. Foi uma hora interminável. Rezei bastante. Vi que uma pessoa que estava em outra árvore passou por mim. Acho que ela não conseguiu se salvar a tempo.

Reni José Weise, 49 anos
AGRICULTOR, DUAS FILHAS, SABE NADAR PARA O GASTO

A curiosidade fez Weise ir até a ponte. Ontem, em terra firme, tinha lágrimas nos olhos toda vez que olhava para o rio:

- Caí, mas consegui me agarrar a uma árvore com mais cinco pessoas. Lembrava da família que deveria estar desesperada.

Depois de uma hora no rio, Weise foi resgatado. Medicado no hospital, foi liberado e levado para casa de helicóptero:

- Nem consegui jantar. A comida não descia. Depois, não consegui dormir. Nasci de novo.

Ildo Dumke, 58 anos
AGRICULTOR, UM FILHO, SABE NADAR

Com o fêmur esquerdo fraturado, o agricultor Ildo Dumke, 56 anos, permaneceu uma hora e meia agarrado a uma árvore, lutando pela vida. Sua mulher, Lori Ella Dumke, 56 anos, sua filha única Denizi Marione Dumke, 28 anos, e o genro Nelo dos Santos, 29 anos, sem a mesma sorte, foram levados pela correnteza. Quando Dumke estava distante 10 metros do restante da família, a ponte ruiu entre eles, a última imagem da filha, do genro e da mulher que sua memória registra é o olhar desesperado dos três segundos antes de despencarem. Até ontem à noite, não haviam sido localizados. Dumke foi transferido a um hospital em Santa Cruz do Sul.

 Participe você também. Clique aqui e
mande fotos da chuva em seu município:


Confira as estradas gaúchas que estão bloqueadas por causa da chuva:


Visualizar Chuva interdita rodovias no RS em um mapa maior

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Chamada Geral 1ª Edição

11:00 - 12:00