Seis mulheres reunidas em um barco, tomando banho de sol, comendo frutas e dando risadas. O que à primeira vista parece um encontro de amigas se trata de uma terapia grupal, mais conhecida como sistema terapêutico a bordo.
A timoneira é a psicóloga Ceura Nolasco, que veleja há mais de 20 anos e faz com que as pacientes descubram a feminilidade em um local nada ortodoxo. São quatro encontros de um final de semana cada, das 8h de sábado e às 17h de domingo, em que homens não são bem-vindos e questões como o equilíbrio para lidar com os múltiplos papéis da mulher na sociedade vêm à tona.
Encontros criativos como esses têm ganhado força nos últimos anos, segundo especialistas. Ceura sabe que a tendência vem acompanhada de preconceitos de colegas que desaprovam a prática, mas se adianta:
- Com o projeto, não se pretende substituir a terapia individual, no consultório. É uma técnica complementar, um momento para as mulheres trocarem experiências e se autoconhecerem. Já indiquei acompanhamento psicológico para resolver coisas mais sérias a muitas das minhas meninas.
O NUT, como foi batizado o trabalho, faz referência à deusa egípcia da criação e tem como objetivo resgatar o feminino. Todo o passeio é baseado em ensinamentos de navegação. Para a psicóloga, a maneira como as pacientes manejam o leme ou como desatam os nós de marinharia revelam a forma como conduzem suas vidas.
Os encontros têm um tema diferente a cada final de semana. Nos debates, elas aprendem a enfrentar o medo de uma experiência nova, a desfazer os nós do cotidiano e a se desvencilhar de bloqueios, crenças negativas e estereótipos deturpados de beleza. Na embarcação, entram em conexão com os seus propósitos de vida.
- Procuro mesclar o grupo com mulheres de várias idades e profissões para deixar a troca mais rica. É um momento de alegria, descontração e busca pelo equilíbrio. A navegação aguça a sensibilidade e aumenta o nível de percepção. Não são as coisas ruins de cada uma que são abordadas. Nesse processo terapêutico, a ideia é evoluir pelo amor e pelo prazer, não pela dor - explica Ceura.
E não são apenas os problemas emocionais que conduzem ao divã flutuante. Foram questões existenciais e a insatisfação com a forma com que as coisas são tratadas no mundo globalizado que levaram a professora universitária Vera Corazza, 52 anos, a embarcar.
- Comecei a questionar o egoísmo e o individualismo da sociedade e o que eu estava fazendo comigo mesma. Por que trabalhava tanto? Não estava passando por nenhuma crise, só me dei conta de que cheguei à metade da vida. Quero viver os próximos 50 anos bem - conta Vera, divorciada e mãe de dois filhos, de 28 e 30 anos.
Com a consultora Letícia Souza Pacheco, 34 anos, foi semelhante. Ela procurava se conhecer como mulher:
- Temos muitas ideias e crenças erradas em relação às nossas atribuições, e isso gera insegurança e falta de percepção de nosso valor. Quando me junto a um grupo de mulheres como este, tenho a oportunidade de conversar sobre nós, criando um espaço de cumplicidade, alegria e força do feminino.
Em geral, é a busca por se sentirem completas que empurra as pacientes para o programa terapêutico que Ceura organiza há seis anos. Segurança e tolerância são alguns dos atributos exercitados sobre as águas. E os reflexos no dia a dia são duradouros, mas dependem de reforços anuais, garante a terapeuta. Todo início de ano, uma grande reunião das NUTs é promovido por ela.
- As mudanças de comportamento não são mágicas, demoram a aparecer. A chance de relaxarem nas atitudes novas conquistadas é grande se não houver um acompanhamento - afirma.
Socialização fora do consultório
Formatos inovadores de terapia, sem fundamento científico e partindo apenas da experiência pessoal do profissional, não são bem vistos pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul. De acordo com o coordenador técnico, Lucio Fernando Garcia, os psicólogos estão obrigados a seguir o Código de Ética e as diretrizes da profissão. Isso inclui, de acordo com Garcia, que apenas procedimentos reconhecidos por estudos aprofundados sejam adotados.
- Se o tratamento não for baseado em uma técnica reconhecida, há risco de prejuízos tanto para o paciente quanto para o profissional. Certificar-se de que o seu terapeuta está registrado no conselho evita situações desagradáveis. Por exemplo, em caso de qualquer problema, não há a quem recorrer - detalha Garcia.
A psiquiatra Lourdes Maraschin Haggsträm acredita que atividades fora do consultório podem ser uma extensão da psicoterapia. Funcionam como socialização, que pode fazer parte de um conjunto de outras terapias:
- É uma maneira criativa para quebrar o gelo de quem precisa, mas tem preconceito com a análise. Porém, as pessoas devem passar por um diagnóstico antes de se meter em qualquer terapia. Casos mais pontuais, como a crise de pânico, por exemplo, são bloqueados apenas com medicação - esclarece.
Dentre as linhas humanistas de tratamento, uma já reconhecida é a arteterapia. Conforme Gislene Nunes Guimarães, diretora do Centro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação (Centrarte), todas as formas de arte trabalham a criatividade, e isso é terapêutico. Ela alerta que terapia tem a ver com aprendizado e, por isso, pressupõe que o profissional tenha formação adequada.
- O desejo de ajudar o outro é intrínseco ao ser humano. Muitas formações equivocadas, como pessoas sem formação psicanalítica abrindo consultórios, resultam em trapalhadas. Para lidar com o emocional do paciente, o profissional precisa estar muito bem resolvido com os seus problemas. Do contrário, corre o risco de projetar todas as frustrações nele - alerta Gislene.
Para encontrar uma boa terapia
- Terapias complementares funcionam para quem procura um espaço de convívio e troca de experiências. Problemas mais intensos como depressão e transtornos de humor e personalidade, por exemplo, dificilmente serão sanados em espaços como esses.
- Trabalhos com arte conduzidos por psicólogos são indicados para idosos. Como estão sujeitos à depressão, não precisam fazer análise para voltar no tempo e repensar suas características. Necessitam, nesse momento, de atividades que fortaleçam o ego.
- Pedir indicação de um amigo que confie no seu terapeuta pode ser uma solução. No casos de crianças, sempre é bom conversar com os profissionais da escola. Não é recomendado que o analista atenda pessoas com vínculos muito próximos. É o profissional quem deve avaliar a possibilidade de haver interferências de um paciente no outro.
- Verifique as qualificações do especialista que pretende contratar. É preciso que ele tenha formação em psiquiatria ou psicologia para ter condições de ajudar o paciente. Estar registrado no conselho fiscalizador evita percalços. Se você tiver algum problema com ele, terá um órgão a que recorrer.
Para ter sucesso no tratamento
- Para que a relação médico-paciente funcione, é necessário haver empatia entre ambos. Se não conseguir isso com o primeiro profissional, não desista. Procure até encontrar um que se encaixe no seu perfil e com quem goste de conversar.
- As mudanças de comportamento ocorrem, mas é preciso ter calma. Essas modificações internas não são obtidas da noite para o dia.
- Se perceber que o seu terapeuta está projetando as dificuldades dele em você, dando conselhos em vez de fazê-lo pensar até achar suas próprias soluções, desconfie. Se ele não estiver bem resolvido com os problemas dele, como pode ajudará ajudar?
- Diagnósticos como depressão exigem um acompanhamento individualizado, com administração de remédios, para um resultado efetivo.
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