
Juntos há oito meses, o médico Irajá Heckmann, 52 anos, e a professora Marília Ramos, 44 anos, abraçaram uma causa após retornarem de uma romântica viagem a Paris: espalhar amor pelo Rio Grande. Por isso, não se espante se um cadeado com o nome dos dois aparecer em algum local perto de sua casa, numa prática tão festejada como questionada.
A inspiração do casal, que se autointitula "o mais romântico de Porto Alegre", veio da Pont dês Arts, a famosa passarela de pedestres em Paris, cujas grades ostentam milhares de cadeados deixados por casais apaixonados.
Além das capitais francesa e uruguaia, Dois Irmãos, Gramado, Nova Petrópolis e Porto Alegre, no Estado, já receberam a primeira peça do que Irajá chama de monumento ao amor. No final de semana, seria a vez de Santa Cruz do Sul.
- Nossa cultura está muito voltada à guerra, com homenagens aos seus senhores em ruas e estátuas. Poderíamos ter mais coisas simbolizando o amor - avalia Irajá, que aproveita a proximidade do Dia dos Namorados para buscar adesões, usando e-mail e redes sociais como ferramentas.
A ideia empolga tanto o médico que ele decidiu presentear amigos e familiares com cadeados - nem mesmo a mãe Maria, 78 anos, escapou. A primeira tentativa de criar uma "fonte do amor" na Capital, contudo, não prosperou. Depois de um mês de vida e oito (ou 16) adesões, os objetos misteriosamente sumiram, forçando uma mudança de endereço para a Praça da Alfândega, nas grades da fonte A samaritana.
Opiniões divergentes
Na quarta-feira, os cinco tímidos cadeados, contendo nomes de casais e até declaração de amor de uma mãe, mal eram notados pelos que passavam apressados, descansavam no bancos ou coletavam água na fonte. Quando alertados pela reportagem, as opiniões eram divergentes. A secretária Débora da Silva Amaral, 18 anos, apoiou:
- Nunca tinha visto, mas acho legal, se todos souberem o significado dos cadeados.
O analista de sistemas Domingo Dilon, 52 anos, não gostou da associação e demonstrou receio com a possível poluição visual:
- Acho que essa energia deveria ser canalizada em outras ações mais amorosas.
Poder, não pode
Colocar cadeados em locais públicos, como os espalhados por Irajá e Marília, no entanto, é considerado irregular pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural no Rio Grande do Sul (Iphan-RS) e pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam).
Segundo a arquiteta do Iphan Ana Luiza Oliveira, pelo fato de a Praça da Alfândega ser tombada, qualquer intervenção precisaria de um aval do instituto. Ela lembra que o local foi revitalizado recentemente, num investimento de R$ 3 milhões, e que a precaução é necessária para evitar possíveis danos.
Supervisor de Praças, Parques e Jardins da Smam, Léo Bulling disse que irá averiguar se, neste caso, há algum tipo de penalidade, mas reforçou:
- Até plantio de árvore tem que passar por um planejamento.
Às vezes, dor de cabeça
Na Europa, onde o ritual, símbolo do amor eterno, teria começado após a publicação de um romance do italiano Federico Moccia, os cadeados também significam dor de cabeça. Tanto que em Paris, no último dia de São Valentim - ou o Dia dos Namorados, comemorado em 14 de fevereiro -, autoridades removeram o excesso de objetos da ponte sobre o Rio Sena para consertar grades.