Se há três dias o mundo todo assistia a um glamoroso e bem organizado sorteio que definiu os confrontos da primeira fase da Copa do Mundo de 2014, realizado na Costa do Sauipe (BA), ontem os olhares de todo o planeta se voltaram para as cenas de barbárie e selvageria protagonizadas na Arena Joinville. Em uma partida em que o resultado de 5 a 1 para o Atlético Paranaense sobre o Vasco ficou em segundo plano, as torcidas organizadas dos dois clubes entraram em uma briga generalizada que deixou quatro pessoas hospitalizadas, três presos e milhares aterrorizadas com os momentos de tensão que ocorreram na arquibancada.
Engana-se quem acredita que a briga que interrompeu a partida por 70 minutos foi um momento único de descontrole de alguns torcedores. As horas que antecederam o confronto já davam sinais de que a tarde em Joinville seria longa. Fora do estádio, torcedores vascaínos que andavam rumo ao estádio eram revistados por torcedores atleticanos que rasgavam as camisas do adversário sob os olhares de policiais militares que nada faziam. De certa forma, podia se falar que quem apenas perdia camisa tinha sorte, já que outros, além dos uniformes, também foram surrados.
Se o clima de guerra já se escancarava sob os olhares passivos dos policiais militares, a situação de descontrole era ainda maior na arquibancada. Mesmo diante de um estádio com ocupação abaixo da metade de sua capacidade quase 9 mil pagantes -, a empresa privada contratada para realizar a segurança servia apenas como um cordão humano separando as duas torcidas.
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E se os primeiros 15 minutos de jogo serviram para esquentar a provocação de ambas as torcidas, a chegada de mais de dez ônibus da Força Jovem, vindos do Rio de Janeiro, foi a senha para que os torcedores atleticanos passassem pelos seguranças e começassem a briga. Um confronto que teve dois ringues simultâneos. O primeiro foi nos corredores embaixo das arquibancadas, em que os torcedores dos dois clubes arrancavam as madeiras que antes serviam de balcão para os bares para poder utilizar como arma. Enquanto isso, nas arquibancadas, a briga de socos e pontapés prosseguia sem que nenhum segurança conseguisse fazer nada - a PM não estava dentro do estádio, alegando decisão do Ministério Público.
Enquanto uns queriam transformar uma partida de futebol em uma guerra campal, pais, filhos, mulheres e crianças só tentavam escapar do local. Isso fez com que muitas pessoas ficassem prensadas nas grades e outras tantas passassem a escalar as estruturas metálicas. Enquanto isso, a luta produzia cenas de torcedores adversários chutando a cabeça de pessoas caídas no chão.
Pais com crianças chorando eram impedidos de deixar o estádio com o receio de que houvesse nova briga fora do estádio. Foi só depois da tardia entrada dos policiais e da contenção da briga que a tensão se dissipou e o medo de quem só queria ver um jogo de futebol passou. Francisco Rodrigues, 66 anos, e Raísa e Taiana Schwartz, de 13 e 15 anos, eram alguns desses. Depois de trazer suas netas pela primeira vez ao estádio, ele não queria mais um jogo de futebol. Disse que se soubesse o que os esperava, não iria ao estádio. Veria pela TV. Agora, Francisco promete pensar duas vezes antes de sair de casa por futebol.
O boato de que um torcedor havia morrido - o que depois não se confirmou - só aumentou a tensão. A vontade da maioria era ir pra casa, desde que com segurança. Mas o jogo continuou. Embora por breves lances dentro de campo o medo passasse, a sensação de insegurança continuou até o final do jogo.
Alguns torcedores acreditavam que os dois clubes deviam perder pontos. Tadeu Vendrame, que veio de Criciúma, era um desses. Vascaíno, torcia contra a queda do time, mas achou a cena em que seus colegas de torcida se meteram absurda. E assim, em um intervalo de três dias, o país da Copa mostrou que ainda é o país daqueles que não conseguem conviver em um mesmo espaço.