
Uma boneca, um carrinho, um novo par de tênis, um tablet ou celular: na lista de pedidos para esse Dia das Crianças itens tecnológicos disputam espaço com velhas brincadeiras. Apesar do desejo dos pequenos, os especialistas fazem um alerta - é fundamental estabelecer limites no uso dos aparelhos para conquistar o equilíbrio e o amplo desenvolvimento.
Antes um aparelho restrito ao universo adulto, os celulares já fazem parte do mundo infantil. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em setembro, revela que 58,7% de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos na região Sul têm o aparelho. Mas antes dessa idade, as crianças já começam a ter contato com o dispositivo. É o caso de Yasmin, de 3 anos. Ela sempre jogava no celular da mãe, que é médica em Florianópolis, e chegava a ligar sem querer para pacientes. Diante do impasse, a solução encontrada pelos pais foi comprar um tablet para ela. O dispositivo, habilmente manipulado pela pequena, é mais utilizado em viagens, restaurantes ou à noite, principalmente para assistir a filmes infantis.
>>> Assista ao vídeo com histórias de famílias com opiniões diferentes sobre o assunto:
A mãe, Mirian Felicio Fernandes, explica que não precisou impor limites, pois a filha opta naturalmente por outras brincadeiras, como desenhar ou correr com os primos. Ainda assim, a médica tomou alguns cuidados, como fazer um perfil próprio para a filha no Netflix - assim só aparecem opções próprias para a idade, além de bloquear conteúdos da internet.
Algumas famílias optam por restringir o acesso. para as irmãs Laura, 8 anos, e Sofia, 10, também de Florianópolis, videogame, smartphone e tablet não fazem parte do cotidiano. Até os 6 anos, elas não assistiam televisão. Hoje, o aparelho da casa é utilizado somente em dias de chuva para ver filmes selecionados pela mãe.

- Uma coisa é estar vendo algo na tela, outra coisa é a experiência verdadeira. Optamos por essa linha para que elas tenham um desenvolvimento sadio, que estejam em movimento, além de terem contato com o verdadeiro e estabelecer interações sociais - explica a mãe das meninas, a professora Claudia Rosas.
O pai, o consultor Fabio Dazzi, reforça que isso torna a vida mais simples e menos estressante, além de aumentar a espontaneidade de relacionamento das duas.
- O maior desafio de limitar a tecnologia é dos pais. Eles têm de saber dizer não - afirma.
Dazzi tem smartphone e computador em casa, mas usa apenas para trabalho. Os pais explicam que quando elas tiverem cerca de 14 anos terão seu próprio computador. Mas até lá, como as próprias meninas afirmam, preferem brincar ao ar livre.
>>> Equilíbrio é fundamental
O uso de tecnologia pelos pequenos é motivo de dúvidas para os pais e gera debate entre especialistas. Para Gilka Ponzi Girardello, professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é uma questão muito complexa e deve levar em conta muitos fatores, um deles é a idade dos pequenos e a qualidade do cotidiano deles para que possam se desenvolver harmoniosamente.
- É preciso tomar cuidado para que a presença da tecnologia não acabe desequilibrando ou impedindo que a criança tenha outras experiências.
Gilka cita inúmeros aspectos positivos na tecnologia, como acesso à cultura, participação e pesquisa, mas ressalta a importância da mediação e acompanhamento dos adultos. Para Betina von Staa, autora do livro Eles Sabem (Quase) Tudo: o que ainda é preciso ensinar e o que se pode aprender com nativos digitais, a tecnologia faz parte das ações humanas, mas é fundamental analisar o uso que se faz dela:
- Neste contexto, o papel dos pais é ajudar as crianças a tornar o uso da tecnologia rico e variado. As escolas também podem contribuir muito - avalia.
Ela pondera que, ao invés de limitar, os pais devem incentivar esse uso mais diversificado das tecnologias. Christian Muller, neurologista infantil e um dos autores do Manual de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento, cita que um dos benefícios do uso da tecnologia seria a menor dificuldade de aprendizado. Porém, há outros sintomas que inclusive prejudicariam o desempenho na escola:
- Psicologicamente, os impactos negativos são importantes e consideráveis, pois a maioria do jogos eletrônicos aumentam sintomas de irritabilidade, e, eventualmente, agressividade.
Ele lembra ainda que as crianças, por estarem em desenvolvimento, estão mais frágeis a qualquer dependência.
- O importante é evitar o isolamento dos celulares e tablets e retornar a força e a importância da família. Momentos juntos com os filhos e de brincadeiras têm um potencial infinitamente mais saudável que em um equipamento eletrônico.
>>> Dicas para os pais:
Especialistas afirmam que é necessário estabelecer limites. Veja alguns:
O recomendável é que as crianças permaneçam, no máximo, até 2 horas por dia expostas a tecnologias como televisão, computador e jogos.
Abaixo de dois anos não deve haver exposição a jogos, tablet e internet.
Não é sugerido que haja TV nos quartos das crianças.
Cuidados com os jogos
Verificar se os jogos e aplicativos são adequados para a idade da criança. Muitos pais se preocupam com a questão da classificação etária somente do ponto de vista da violência, mas também é preciso considerar aspectos cognitivos e motores.
Se um jogo apresentar um desafio que está acima do que a criança é capaz de realizar, isso implicará em frustração e também em sentimento de incapacidade que pode ter repercussões para a autoestima.
Os pais devem ler a descrição dos aplicativos e assistir vídeos de demonstração para verificar a mecânica de funcionamento, além de buscar informações online.
Acesso a Internet
Requer cuidados como informar às crianças que não devem conversar com estranhos ou divulgar informações.
Os pais devem instalar aplicativos com filmes, animações e jogos específicos para crianças ou permitam a definição de perfis de usuário.
Fontes: Christian Muller, neurologista infantil, e Pollyana Mustaro, professora da Faculdade de Computação e Informática (FCI) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).