
Apresentado no fim de outubro, o trailer do documentário Filme sobre um Bom Fim chegou logo a 20 mil visualizações no YouTube e virou assunto nas redes sociais. O filme só deve estrear nos cinemas no segundo semestre do 2015. Até lá, a palhinha atiça boas lembranças em quem viveu a efervescência cultural e comportamental do histórico bairro de Porto Alegre.
E desperta a curiosidade dos jovens que cresceram ouvindo histórias que se tornaram, muitas delas, lendas urbanas. Diretor do longa-metragem, Boca Migotto, 38 anos, vislumbrava esse Bom Fim mitológico em Carlos Barbosa, cidade da serra gaúcha onde nasceu.
- Cheguei a Porto Alegre em 1995 e quis logo saber se era mesmo possível entrar no Ocidente pela janela. E era - diz Migotto, referindo-se ao bar em atividade há mais de 30 anos no casarão da esquina da João Telles com a Osvaldo Aranha.
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Professor de cinema na Unisinos e realizador de curtas-metragens, Migotto dirige seu primeiro longa em parceria com Mariana Müller, 30, sua mulher e sócia na produtora Epifania Filmes.
Imagens garimpadas nos acervos de emissoras de TV e em filmes Super-8 e fitas VHS de arquivos pessoais compõem um mosaico antropológico, cultural e político do Bom Fim. No trecho assistido pela reportagem de ZH, a viagem tem início percorrendo a Avenida Osvaldo Aranha, artéria que faz pulsar o bairro. Vai da Esquina Maldita (no cotovelo da Sarmento Leite), reduto boêmio dos anos 1970, à curva da José Bonifácio, onde, nas décadas de 1980 e 90, a multidão se aglomerava na área do bar Escaler.
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E passeia por calçadas nas quais diferentes tribos batiam ponto, do Lola ao João, do Ocidente à Lancheria do Parque (ambos na ativa), dos cinemas Baltimore e Bristol ao Luar Luar.
- O filme destaca a transição do Brasil entre a ditadura militar e a democracia, período em que o Bom Fim foi cenário de efervescência no cinema, no teatro e na música - destaca Migotto. - Todo mundo colaborava com todo mundo. O crowdfunding (financiamento coletivo) de hoje já era feito pelo Nei Lisboa para gravar seu disco no começo dos anos 1980. Agora, quem produz cultura tem uma postura mais conservadora, não dialoga tanto com outra turma que não seja a sua.
As imagens de arquivo relembram filmes como Deu pra Ti Anos 70 (1981), peças como Bailei na Curva (1983) e shows de bandas como Replicantes e DeFalla. E são contextualizadas no presente por figuras que testemunharam a agitação do bairro de diferentes fronts. Entre elas, estão algumas que já não vivem na Capital há anos, como Nelson Nadotti (codiretor com Giba Assis Brasil de Deu pra Ti anos 70), o produtor musical Carlos Eduardo Miranda e Toninho do Escaler, que consagrou no nome o sucesso de seu bar.
- Listamos 70 entrevistados, registramos 40 depoimentos, e estes foram sugerindo outros nomes que deveríamos ouvir. De repente, a lista tinha mais 50 pessoas. Não teria fim (risos) - conta Mariana, responsável pela produção e pesquisa do filme, para o qual também negociou os direitos de 20 músicas de bandas gaúchas representativas do período.
Filme sobre um Bom Fim tem orçamento de R$ 171 mil, com recursos via Fumproarte e edital de finalização do Iecine. Para chegar ao corte final com 88 minutos de duração, o montador Drégus de Oliveira lapidou 80 horas de entrevistas e outras 30 com registros de acervo. No primeiro semestre de 2015, o documentário deve percorrer o circuito de festivais. Quanto ao apelo do filme fora do Estado, Migotto acredita que sua incursão por uma época marcante na cultura pop amplia o espectro de interesse.
- É um filme que dialoga com outros documentários nacionais sobre a cultura jovem dos anos 1980, como A Farra do Circo (sobre o palco carioca de shows Circo Voador) e Rock Brasília. Acho que é uma visão provinciana achar que coisas importantes feitas aqui interessam só a gente.
Confira o trailer: