
O quarto no segundo piso de uma das casas do Condomínio Campos do Cristal, no Bairro Vila Nova, Zona Sul da Capital, está com os móveis virados. As crianças já não dormem próximas da janela, mas a marca ainda está ali. Um rasgo no alumínio como uma lembrança que jamais se apagará da memória de Samantha Machado, 26 anos. É a marca do tiro que vitimou sua filha, Laura Machado Machado, aos sete anos, enquanto dormia, no dia 17 de abril de 2015. Na rua, acontecia um confronto entre traficantes.
Uma situação quase comum em um ano de explosão ainda maior dos assassinatos na Região Metropolitana. Conforme levantamento do Diário Gaúcho, pelo menos 1.539 pessoas foram mortas em 2015. Superou em 6,72% o que parecia impensável depois da alta recorde de assassinatos no ano anterior, quando pelo menos 1.442 pessoas foram mortas na região.
A dor de Samantha por perder uma filha antes mesmo dela chegar à idade adulta se repetiu em pelo menos 113 casos em 2015. É como se a cada mês perdêssemos quase dez crianças ou adolescentes. Uma alta de 36% em relação às vítimas de homicídios antes de completar 18 anos em 2014. É outra das marcas recordes desde que a contagem dos homicídios na região foi iniciada, em 2011.
As mortes entre crianças e adolescentes
2015 - 113
2014 - 83
2013 - 91
2012 - 87
2011 - 76
Bala perdida
Volta e meia, quando a saudade aperta demais, Samantha ainda vê a pequena Laura pela casa. Ainda prepara, a cada refeição, um prato para a filha. Samantha, o marido e os quatro filhos chegaram a ficar dois meses afastados da casa, mas voltaram ao Cristalzinho, como o loteamento é conhecido pelos moradores.
- Era como se eu tivesse deixado a Laura sozinha aqui. É uma dor que eu vou ter que superar na nossa casa, porque aqui estão as minhas melhores lembranças da Laura - diz a mãe.
O trauma os acompanhou. A cada tiroteio, ou suspeita de algum tiro, a mãe salta sobre os filhos e se joga no chão. É que Laura foi uma das sete crianças e adolescentes vitimadas por balas perdidas no ano que teve pelo menos 13 homicídios com essas características na Região Metropolitana. Também a maior marca em cinco anos.
- Eu sempre tentei manter meus filhos debaixo da minha asa, sem muita rua, porque a gente sempre se preocupou com o que acontece aí fora. E eu perdi ela assim, dormindo. Dizem que filho não é para nós, é para o mundo. Às vezes, eu me arrependo de ter segurado tanto ela. Quem sabe as coisas poderiam ter sido diferentes - lamenta.
Antes do Natal, como costumava fazer todos os anos, a mãe foi comprar roupas para as crianças. Para Laura, flores. Semanalmente Samantha mantém o ritual de visitar e levar as flores ao túmulo da filha.
- É triste, mas isso sempre me acalma. Estar perto da minha menina é uma necessidade - desabafa a mãe.
* Assassinatos na Região Metropolitana
2015 - 1.539
2014 - 1.442
2013 - 1.136
2012 - 1.202
2011 - 1.089
* Fonte: levantamento realizado pelo DG nos seguintes municípios: Porto Alegre, Alvorada, Canoas, São Leopoldo, Gravataí, Viamão, Novo Hamburgo, Guaíba, Sapucaia, Cachoeirinha, Esteio, Sapiranga, Novo Santa Rita, Portão, Campo Bom, Eldorado, Estância Velha.
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* Diário Gaúcho