Com 144 mil hectares de soja cultivados, Tupanciretã é, ao mesmo tempo, o município com a maior área plantada com a oleaginosa na Região Sul e exemplo da falta de infraestrutura que o país oferece aos produtores, que neste ano deve colher uma nova supersafra _ estimada pela Emater em 13,24 milhões de toneladas. Após o fim do trabalho no campo, os problemas aparecem e devoram ganhos de agricultores como Armindo Mugnol, 63 anos, dono da propriedade onde foi aberta a colheita da soja no Estado, no sábado passado.
- A estrutura de hoje é a mesma de 30 anos. Enquanto isso, aumentamos a área cultivada e duplicamos a produtividade - reclama Mugnol, que semeou 2,3 mil hectares com o grão.
Para levar as 9 milhões de toneladas projetadas para este ciclo até o porto de Rio Grande, considerando que 75% da carga segue até a cidade por meio de rodovias, cerca de 220 mil caminhões terão como destino o terminal (20 mil a mais do que em 2013).
É logo na saída das porteiras que o produtor começa a perder dinheiro. Os caminhões carregados com a soja de Mugnol e seus vizinhos enfrentam, na RSC-392, cerca de 25 quilômetros de estrada de chão até alcançarem o primeiro trecho asfaltado rumo ao porto de Rio Grande.
Agricultores da localidade perderam as contas de quantas vezes a melhoria foi prometida, e não cumprida, por sucessivos governos. Eles, no entanto, seguem fazendo a sua parte: com investimentos em irrigação, Mugnol, por exemplo, colhe em torno de 70 sacas de soja por hectare, acima da média estadual de 45 sacas por hectare. Parte do lucro sai do bolso do produtor para compensar problemas de acesso à propriedade.
Em 2010, a obra na rodovia foi iniciada oficialmente, mas problemas com o projeto adiaram novamente a esperança dos produtores de ver a via asfaltada. A obra recomeçou neste ano e, apesar do receio de que passe por nova interrupção por conta do período eleitoral, foi motivo de nova promessa do governador Tarso Genro no último sábado.
- Em dois anos, no máximo, vamos inaugurar essa estrada - garantiu Tarso durante a solenidade.
Sem condições adequadas para o transporte, Mugnol estima que só o frete consome até 8% do valor recebido pela saca. Nos Estados Unidos, concorrente brasileiro no mercado da soja, a média é de 3%.
- É comum o produtor usar suas máquinas para melhorar um pouco o caminho - diz o presidente do sindicato rural do município, Belquer Lopes.
O custo logístico gaúcho, estimado pela Agenda 2020, corresponde a 19,46% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado e é três vezes acima do considerado ideal.
- Não temos planejamento. Fazemos pouco e o que fazemos é totalmente desconectado de um planejamento. Esse deveria ser o primeiro passo, para termos um caminho pelos próximos 50 anos - critica Paulo Menzel, coordenador do fórum de Infraestrutura e Logística da Agenda 2020.
Frete subiu mesmo sem pedágios
A dependência do produtor das boas condições nas estradas esbarra na falta de planejamento e investimento para, no mínimo, manter as condições da estrutura oferecida. Mesmo uma das novidades deste ano no quesito pedágio, o fim de alguns polos em rodovias usadas no escoamento da safra, como de Lajeado, na BR-386 - a Rodovia da Produção - não surtiram o efeito esperado.
Ao contrário das tarifas dos ônibus intermunicipais de passageiros, que tiveram redução determinada pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem entre R$ 0,25 e R$ 0,55 nas linhas que passavam por pedágios desativados, no frete os valores aumentaram 5,3% desde o final das primeiras concessões das rodovias, em junho de 2013, segundo levantamento da Agenda 2020 _ organização que busca apresentar propostas para os problemas estruturais do Estado. A falta de manutenção nas estradas engoliu o que poderia ser um ganho.
- Sem os pedágios, o movimento aumentou 30%. O que nos foi vendido com o fim das concessões era uma situação melhor, mas temos constatado o contrário - comenta o coordenador do fórum de Infraestrutura e Logística da Agenda 2020, Paulo Menzel.
Hora marcada no porto
Enquanto soluções definitivas para aprimorar a logística passam longe do papel, algumas medidas tentam melhorar as condições para a chegada do grão no porto de Rio Grande, como o agendamento para descarregar.Implantado em 2011, o sistema é apontado como maior avanço na organização para o desembarque no terminal. Ainda assim, é preciso mais.
- É necessário duplicar a avenida portuária (BR-392). Há apreensão com a segurança - diz o diretor-superintendente do Porto, Dirceu Lopes.
Mesmo com a entrega programada, ainda há atrasos. Em algumas das viagens até o terminal, o motorista Maurício Scherer viu a sua entrega atrasar em mais de 12 horas. Para o próximo ano, Lopes espera já ter iniciado as obras de um novo pátio onde os caminhoneiros possam aguardar a sua vez de descarregar a carga, e a ampliação de cinco para seis no número de navios operando simultaneamente.
Como solução de longo prazo, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Rio Grande do Sul (Setcergs), Sérgio Gonçalves Neto, diz que a concessão das rodovias no método já feito pelo governo federal em outros Estados, que prevê tarifas mais baixas de pedágio e garantia de duplicação das estradas, seria a medida mais adequada para que o custo logístico não siga avançando na lucratividade do produtor.
- Com estradas melhores teríamos risco e tempo de viagem menores, o que impactaria também no preço do frete - alerta o presidente do Setcergs.
Escassez de motoristas
Além das falhas da infraestrutura nacional, o sucesso da atual safra deve escancarar um outro problema já sentido mais cedo no centro do país: a falta de motoristas e caminhões. A implantação da chamada Lei do Motorista, que entre outras medidas prevê interjornada de 11 horas e paradas para descanso do motorista a cada quatro horas de trabalho, exigiu adequações nas empresas. O resultado é uma maior oferta de vagas, mas faltam profissionais para preenchê-las.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Rio Grande do Sul (Setcergs), Sérgio Gonçalves Neto, afirma que no país são 100 mil oportunidades de trabalho, sendo cerca de 10 mil no Estado. Como o treinamento para formação de um motorista de carga leva ao menos um ano, para este ciclo a disputa por um profissional vai ser grande. Apesar do piso de R$ 1,5 mil mensais, ofertas são encontradas por valores de até R$ 4 mil.
E se para o motorista os benefícios são grandes, na outra ponta o produtor enfrenta a alta no frete. No Rio Grande do Sul, a estimativa para o período foi de que ainda possa subir 14%, de acordo com a entidade.