O Rio Grande do Sul atingiu recorde histórico para um primeiro semestre: 93% dos embarques de soja que saíram do Porto de Rio Grande foram para a China. Não é de agora que o país asiático abocanha a maior parte da soja gaúcha exportada. Há três décadas, as relações vêm se estreitando e, desde o ano 2000, a China começou a responder pela compra de mais da metade do nosso grão enviado ao Exterior.
O apetite tem razão de ser: a China precisa alimentar seus 1,38 bilhão de habitantes. Para o Rio Grande do Sul, os asiáticos absorvem as sucessivas safras recordes, principal responsável por alavancar a economia gaúcha. Quanto a possíveis riscos dessa parceria, especialistas divergem. Para o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, o país asiático deve crescer por pelo menos 20 anos até a demanda por alimentos se estabilizar.
– Os chineses têm de se preocupar mais em nós abastecermos eles do que a gente em vender para eles – avalia Luz.
Leia mais:
Tecnologia muda o perfil do trabalhador e elimina vagas
Diversificação de cultivos garante renda e mais saúde no campo
Entidades apontam desafios e soluções da mão de obra no campo
O aumento de demanda é creditado pelo especialista, principalmente, ao processo de urbanização, que reduziu o número de agricultores, e ao crescimento da economia do país, que levou a uma melhora nas condições financeiras da população e mudou a dieta dos chineses, com maior consumo de carne. Para alimentar os animais, principalmente suínos e aves, precisam cada vez de mais soja. Aliado a isso, a China, que ainda é o país mais populoso do mundo, mudou sua lei de natalidade, permitindo mais de um filho por casal sem cobrar multa.
– Quando me questionam se existem riscos para nossas exportações, digo que não com letras maiúsculas. Porque não é um risco, é uma oportunidade – salienta o economista-chefe da Farsul.
Caso a demanda chinesa seja reduzida em alguns anos ou o país por algum motivo compre menor fatia da exportação gaúcha, Luz lembra de outro mercado:
– A Índia tem o mesmo potencial em termos de demanda de soja, mas ainda não desabrochou.
Tomás Torezani, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE), é mais cauteloso ao analisar o cenário. O especialista concorda que dificilmente em um curto período a demanda chinesa irá decrescer, mas avalia que qualquer dependência de comprador é problemática e, na soja, é ainda pior, pois a interferência climática ou de mercado pode prejudicar toda a arrecadação do Estado:
– Ficamos suscetíveis à economia e à demanda chinesa, que podem mudar por diversos fatores, mas também à mercê dos preços. Como se trata de uma commodity, os valores são dados pelo mercado internacional, sem poder de barganha. Diferentemente de produto manufaturado, cujo preço não oscila tanto.
Em 2005 e 2012, por exemplo, as safras gaúchas enfrentaram problemas climáticos e tiveram queda de produção. Já o cenário deste ano é um exemplo da volatilidade em termos de cotação. Embora o Rio Grande do Sul tenha exportado o maior volume da história em termos de toneladas para a China, o valor em dólares não superou o atingido em 2014, devido à alta oferta no mercado.
O consultor em agronegócio Carlos Cogo também avalia que "algum risco sempre há", mas como o destino é a maior importadora do mundo (a China compra 63% do total das exportações mundiais de soja), avalia que a chance de problema é mínima.
– Se formos ver por esse lado, todos os exportadores de soja do mundo estão nas mãos dos chineses. Como o apetite deles só cresce, não há o que temermos – diz Cogo, acrescentando que a China não tem capacidade de se tornar autossuficiente.
Expectativa positiva para o segundo semestre
A perspectiva para as exportações de soja no segundo semestre deste ano é promissora. Problemas climáticos na safra dos Estados Unidos devem reduzir a oferta no mercado e fazer o preço subir. Uma deficiência especialmente do Rio Grande do Sul também deve dar um empurrão: a capacidade de armazenamento de grãos está saturada.
– Em algum momento, os produtores vão ter de vender a soja colhida, porque não vai dar para ficar esperando formar melhores preços, como ocorreu no ano passado, porque já tem muita soja guardada para a capacidade existente – explica Tomás Torezani, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Na disputa pelo mercado chinês, os Estados Unidos são o maior concorrente do Brasil. Segundo o consultor da Safras&Mercado, Luiz Fernando Gutierrez Roque, a soja tupiniquim tem vantagem em relação ao valor.
– O Brasil tem sido um parceiro melhor, porque nos últimos anos, em 2016 principalmente, o câmbio ajudou muito. Com o real desvalorizado, a soja brasileira torna-se mais barata para os chineses – aponta Roque.
