Uma vida inteira dedicada à produção de leite chegou ao fim. Havia apreço, mas não preços. Nem braços. Decepcionado com remuneração e limitado pela falta de mão de obra na propriedade, o produtor Vicente Marçal Fortes Estery, 56 anos, da localidade de São Bento, em Carazinho, se desfez do rebanho comercial de 12 vacas em lactação que tinha no final do ano passado.
– Me criei na lida do leite, desde piá. Estou ficando velho, a questão familiar também pesa, a gente entrega para depois ver quanto vai receber – lastima Estery.
Até decidir, fez investimentos em ordenhadeiras, sala de ordenha e resfriadores. Tenta vender os equipamentos, mas como a decepção com a atividade também atinge os vizinhos, está difícil encontrar comprador.
Na propriedade, mantém alguns bovinos de corte e planta soja. É a fonte de renda. A esposa é professora e a única filha estuda Nutrição. Como a família se envolve em outras atividades, Estery cuidava sozinho da produção de leite, ofício que não tem feriado e não para por tempo ruim.
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A filha vai casar no fim do ano. O futuro genro é agrônomo. Assim, vê chance de que a propriedade prossiga em mãos familiares. Se for para vender no futuro, que seja para um bom investimento, torce o produtor.
Estery se enquadra nos resultados da segunda edição de um relatório socioeconômico da cadeia produtiva do leite apresentado pela Emater, que detectou a redução de 22% no número de produtores comerciais no Estado desde 2015 e uma queda de 9,5% no rebanho. Agricultores relatam como causas a falta ou deficiência de mão de obra, preço e inexistência ou desinteresse de herdeiros em manter a atividade.
O assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) Marcio Langer teme que os problemas atuais de remuneração agravem o quadro.
– O leite tem uma característica social pelo universo grande de produtores, muitos com até 300 litros por dia. Isso gera riqueza no espaço local.
Se a atividade se concentrar, também vai concentrar a riqueza, que fica para poucos – observa Langer.
Responsável pelo levantamento da Emater, o zootecnista Jaime Ries também conclui que a tendência parece ser de concentração da atividade, pelo envelhecimento de quem está nas pequenas propriedades, sucessão, custos maiores da indústria em recolher pequenos volumes e mesmo pela estagnação da demanda:
– Aparentemente, o leite está perdendo esta capacidade de ser inclusivo, de ter um grande número de produtores, de distribuir renda. É um dinheiro que movimenta o comércio de muitos municípios, gasto localmente.
Os números, entende Ries, devem servir para o debate sobre como manter o papel social da atividade.