
De malas prontas para Punta Cana, na República Dominicana, Anelise Peixoto está rindo à toa - e não apenas por saber que irá desfrutar de algumas das melhores praias do mundo. A gaúcha de 28 anos pagou metade do preço normal pelas passagens aéreas em um site que ajuda a fazer negócios com milhas. Com alguns cliques, transferiu R$ 1,8 mil para a conta de outro internauta, e o portal usou cerca de 80 mil milhas do vendedor para obter as passagens de Anelise para o Caribe.
Guia ZH: tire suas dúviadas sobre compra e venda de milhas pela internet
- Fiquei um pouco receosa, porque era a primeira compra. Mas pesquisei bastante em sites de reclamação e nas redes sociais e vi que a empresa era bem cotada. Resolvi fazer o negócio e, em menos de 24 horas, a passagem já estava no meu nome - conta.
Anelise descobriu um tipo de serviço que vem ganhando força desde que a oferta de milhas passou a ser adotada por quase todas as administradoras de cartão de crédito e empresas aéreas para garantir clientes mais fiéis. Um universo paralelo voa na web com a compra e venda de milhas das principais companhias aéreas do país, com direito à cotação diária calculada por sites, troca de senha pelos usuários e atuação de empresas cada vez mais sofisticadas.
Sem regulamentação ou orientação legal, o troca-troca de milhas corre solto. Pelo menos seis empresas - uma das quais criada há duas semanas no Rio Grande do Sul - anunciam serviços em grandes portais e esbanjam milhares de curtidores no Facebook. Disputam um mercado avaliado em R$ 3,9 bilhões, equivalentes a pontos que irão expirar em 2014 e que os usuários poderão transformar em dinheiro - os dados são estimados conforme estudo do Banco Central que analisou programas de fidelidade no país.
O mercado avança em tal ritmo que algumas agências de viagem, principalmente em São Paulo, Minas Gerais e Estados da Região Norte, passaram a comprar milhas na internet para oferecer passagens mais baratas em seus pacotes. Conforme a Associação Brasileira de Agências de Viagem, essa prática não chegou ao Rio Grande do Sul.
- É um setor com grande potencial de crescimento. Mas como não há regulação, muitos atuam de forma clandestina, sem CNPJ (registro) - afirma Max Oliveira, um dos fundadores da empresa de intermediação MaxMilhas.
Nascida há um ano em Minas Gerais e irrigada com verba federal do programa Start-Up Brasil, a MaxMilhas rapidamente se tornou uma das maiores no setor. Cresce 50% ao mês e já tem 4 mil usuários. Chega a intermediar R$ 350 mil em negócios por mês. Além de costurar contatos entre consumidores, a empresa estima um valor diário em reais para cada milha de TAM, Gol e Azul, e indica se vale mais a pena negociar os pontos ou comprar passagens nos sites dessas companhias.
Esse tipo de negócio pode ser arriscado. Para vender as milhas, o cliente precisa informar aos sites especializados dados como CPF e códigos de acesso. O intermediário entrará no cadastro e fará o resgate. Quem compra os pontos precisa redobrar o cuidado com a procedência da empresa, confirmando se tem CNPJ e não acumular queixas em sites de reclamações. O perigo, nesse caso, é fazer o pagamento e não receber a passagem. Conforme a associação de consumidores Proteste, não há registros desse tipo.
Comércio de pontos é controverso
Contrárias à negociação de milhas, companhias aéreas e gestoras dos programas de fidelidade proíbem, nos contratos de adesão, a compra e venda de pontos, ainda que permitam a emissão de passagens em nome de terceiros. A intenção é inibir um mercado que negocia tíquetes por preços inferiores aos oferecidos nos sites das empresas.
- No longo prazo, essa prática pode afetar o caixa das companhias e prejudicar a qualidade de seus serviços - afirma Flávio Vargas, diretor financeiro do Smiles, da Gol.
No ano passado, o Smiles tornou-se o primeiro programa brasileiro a permitir transferência de milhas entre usuários, cobrando taxas conforme a quantidade de pontos enviada. O objetivo, conforme a empresa, foi estimular os clientes a utilizarem as milhas em um canal seguro.
- Queremos criar lealdade às empresas parceiras (do Smiles). Quando outro site começa a oferecer compra e venda, é ruim para todo o ecossistema. É uma atividade parasitária - destaca Vargas.
Sites especializados e até parte dos órgãos de defesa do consumidor pensam diferente. Entendem que, como os pontos são um benefício conquistado com o uso de outros serviços, o usuário pode dar o destino que achar melhor. Coordenadora institucional da associação de consumidores Proteste, Maria Inês Dolci avalia que o cliente tem dificuldades em obter informações sobre como coletar e usar pontos de milhagem, o que leva muitos a optar pela venda.
- Há dificuldade em juntar todos os pontos para conseguir comprar uma passagem. Os programas de milhagem podem não ter sido criados para isso, mas não há lei que proíba a venda de pontos para desfrute de outro usuário - descreve.