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Depois de 14 anos na estrada, em uma viagem muitas vezes marcada por percalços, a Ceitec, empresa pública que produz chips em Porto Alegre, vai em busca de novos horizontes. A mudança de percurso, traçada pela consultoria britânica Kember Associates, aponta o mercado internacional como caminho mais curto para a estatal alcançar o tão sonhado destino, a independência financeira.
No início de julho, será apresentado para a diretoria da empresa e para o novo ministro de Ciência e Tecnologia, Clelio Campolina, o resultado do estudo realizado entre agosto de 2013 e janeiro deste ano. As soluções apontadas são mantidas em sigilo, mas há uma certeza: não haverá parceria com empresas privadas.
A ideia de uma sociedade chegou a ser cogitada em entrevista pelo ex-presidente da Ceitec Cylon Gonçalves.
- A tendência é, com o tempo, o negócio ganhar escala e atrair investidores privados, mas não há uma indústria desse porte sem políticas públicas - diz Marcelo Lubaszewski, presidente da estatal.
Desde a fundação, em 2000, a Ceitec mudou diversas vezes de personalidade jurídica, mas ainda não consegue andar com as próprias pernas financeiramente e, por isso, conta com recursos públicos. A partir de 2008, quando passou para as mãos do governo federal, recebeu cerca de R$ 670 milhões - um valor pequeno se comparado com investimentos privados semelhantes. Alcançou o primeiro milhão de reais em faturamento no ano passado, mas a cifra ainda é magra para pagar as contas.
A tão esperada liberdade deve chegar em 2018, afirma Virgilio Almeida, presidente do conselho de adminsitração da Ceitec (leia entrevista abaixo).
Além de apontar novos nichos de mercado a serem explorados, a consultoria britânica - que atua há 22 anos no mercado e já desenvolveu trabalhos semelhantes para empresas na Alemanha, na Rússia, na China e nos Estados Unidos - mostrou a necessidade de melhorias em processos e indicou equipamentos que precisam ser atualizados para a Ceitec estar apta a disputar com concorrentes estrangeiros e não fazer feio.
Os possíveis clientes não são revelados por questões estratégicas, mas especialistas indicam que o mais provável é que o foco seja países emergentes, principalmente os vizinhos latino-americanos.
- Apostar em produção de chips para Smart TV ou notebooks é muito mais complicado, a escala é grande e a concorrência internacional é acirrada. Focar em trabalhos específicos, em necessidades do serviço público, por exemplo, é mais promissor - afirma Sergio Bampi, professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em microeletrônica.
Enquanto a Ceitec volta os olhos para o Exterior, a Six Semicondutores, principal concorrente da empresa no país, acelera o passo para terminar a construção da fábrica de chips em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte. Será a segunda indústria de semicondutores no Brasil. O investimento foi de R$ 1,2 bilhão, o dobro do aplicado na Ceitec em seis anos.
Com a derrocada de seus negócios, o ex-bilionário Eike Batista concluiu em janeiro último a venda de sua participação na empresa (33%) para a companhia argentina Corporación América, do magnata Eduardo Eurnekian. Com a mudança, a empresa também troca de nome - passa a se chamar Unitec do Brasil.
"Não vamos procurar sócios privados", diz Almeida
Professor de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Virgilio Almeida comanda desde 2011 a Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia. De lá, também responde pela presidência do conselho de administração da Ceitec. Na entrevista a seguir, Virgilio garante: "a Ceitec sairá do vermelho até 2018".
Qual foi o diagnóstico da consultoria contratada para avaliar a viabilidade comercial da Ceitec?
A consultoria identificou nichos e novos mercados que podem ser explorados. Também apontou necessidade de melhorias em processos e indicou equipamentos que precisam ser atualizados.
Com a consultoria concluída, a empresa permanecerá pública ou a busca de parcerias privadas passa a ser cogitada?
A nossa missão, como governo, é fortalecer a Ceitec. Não vamos procurar sócios privados. Continuamos vendo a Ceitec como uma empresa do governo.
Qual foi a consultoria?
Kember Associates. É uma consultoria pequena, mas tem feito análises dessa natureza em vários países. São profissionais que trabalharam na indústria de microeletrônica por muitos anos, capazes de realizar uma avaliação tecnológica mais ampla.
Quanto custou?
Não podemos revelar, faz parte do acordo de confidencialidade.
Como foi feito o trabalho?
Eram dois profissionais envolvidos diretamente na análise: o consultor Peter Kember e mais um engenheiro. Eles visitaram o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Ceitec durante uma semana. A partir daí, passaram a interagir com a direção da empresa e engenheiros, discutindo os processos.
Como está o desenvolvimento do chip para os passaportes brasileiros?
Uma versão do chip já foi testada com sucesso pela Casa da Moeda. Agora, está em processo de certificação internacional. Deve estar pronto no próximo ano.
Depois de mais de uma década sem gerar receita, a Ceitec alcançou no ano passado o primeiro milhão de reais. Quando a empresa vai conseguir sair do vermelho?
Nós temos um plano de até 2018 ter faturamento equivalente às despesas. Essa expectativa é factível porque há nichos, como rastreabilidade e logística, em que a Ceitec já atua, que tendem a crescer com o fenômeno da internet das coisas. A expectativa em 2014 é mais que dobrar a receita.
Vale do "Sulício"
Em recente visita ao Estado, a presidente Dilma disse que a Região Sul pode se tornar o Vale do "Sulício", referência ao Vale do Silício, na Califórnia, berço de grandes empresas de tecnologia. Veja alguns empreendimentos.
Pinhais
Na cidade da região metropolitana de Curitiba está a Gemalto do Brasil, que realiza a etapa final de produção de chips: o encapsulamento em módulos de identificação - usados em cartões de banco, de telefonia e do transporte público.
Florianópolis
Quatro das 22 design houses em operação no país, como são conhecidas as empresas que elaboram somente o projeto de circuitos integrados e delegam a fabricação para parceiros especializados, se concentram no Sul. Duas estão na capital catarinense, a FlorIPa-DH e a Chipus.
São Leopoldo
Com a inauguração da fábrica da HT Micron este mês, a cidade passa a ter a maior unidade industrial de encapsulamento e teste de semicondutores da América Latina.
Porto Alegre
A Ceitec é vista como estratégica para a indústria brasileira de semicondutores. Atualmente, é a única fábrica de chips em funcionamento. Depois de quase 12 anos sem gerar receita, atingiu o primeiro milhão de reais no ano passado. O objetivo é triplicar esse valor em 2014.
Santa Maria
A Universidade Federal de Santa Maria é destaque em pesquisas em microeletrônica. Também prepara profissionais na área. É sede de uma design house.
Duas empresas de alta tecnologia vivem realidades diferentes no Estado
Ceitec
Fundação: 2000
Origem: parceria entre governos federal, estadual e municipal e a empresa Motorola, que doou um conjunto de equipamentos , é federalizada em 2008
Investimento: R$ 670 milhões desde 2008
Faturamento em 2013: R$ 1,2 milhão
Faturamento projetado para 2014: entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões
Produtos
Chip do boi: utilizado para rastrear o gado
Chip de aplicações múltiplas: usado para identificação e rastreabilidade de objetos
Chip do passaporte: será utilizado para facilitar a identificação do documento
HT Micron
Fundação: a empresa operava desde 2009 em base instalada na Unisinos e, no início deste ano, começou a funcionar em novas instalações
Origem: joint venture entre a sul-coreana Hana Micron e pelo grupo gaúcho Parit, que controla a Altus e a Teikon. Também contou com recursos federais por meio do BNDESPar
Investimento: R$ 200 milhões para construção da fábrica
Faturamento em 2013: R$ 105 milhões
Faturamento projetado para este ano: R$ 320 milhões
Produtos
Chips encapsulados utilizados em cartões bancários e celulares