
Dono dos juros mais altos do mundo, o Brasil ainda teima em ter uma população que desconhece o custo do dinheiro. Dois em cada três usuários de cartão de crédito não sabem o preço que pagam ao parcelar a fatura, por exemplo, e um a cada três cria novas dívidas sem saber quais taxas estão incluídas, mostra uma pesquisa das consultorias Ilumeo e Ricam.
E nem dá para dizer que seriam informações preciosistas. Diferentemente de Estados Unidos ou Japão, onde o juro para empréstimos, hipotecas e financiamentos é irrisório, no Brasil a taxa chega, em média, a 100,3% ao ano, conforme a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Ou seja: o sujeito toma um dinheiro emprestado, e, ao final de 12 meses, estará devendo o dobro à financeira.
- O juro no Brasil é alto por vários motivos: a taxa básica (Selic) é uma das maiores do mundo, a inadimplência é alta e há muitos impostos na operação dos bancos. Sem contar o spread (margem de lucro do banco em operações), que também é gordo. Isso reforça a necessidade de o consumidor planejar seus gastos - afirma Jorge Augustowski, diretor-executivo da Anefac.
Quem coloca na ponta do lápis os juros em empréstimos e compras tem mais facilidade em identificar o melhor negócio. Habituado a pensar friamente os gastos, o engenheiro Heitor Vicari Júnior costuma comparar o quanto pagaria de taxas se parcelasse com os rendimentos que teria se deixasse o valor da compra investido. Se o custo da parcela for maior, opta por pagar à vista - e pede desconto, claro.
- Se a pessoa só pensa na parcela que cabe no bolso, acaba vivendo endividada. E não faz diferença se ganha muito ou pouco - afirma Heitor.
No mês passado, ele e a mulher, Michele, decidiram comprar um carro mais espaçoso para se preparar para a chegada do herdeiro, prevista para julho. Deram o automóvel usado como entrada, pagaram mais uma parte em dinheiro e parcelaram o restante em 12 vezes.
- Tínhamos dinheiro para pagar à vista, mas não quisemos eliminar nossa poupança. Como a taxa na compra era zero, valia a pena deixar o dinheiro rendendo e ir retirando aos poucos para pagar as parcelas - diz Heitor.
Taxas corroem o poder de compra
Os juros no comércio, em empréstimos e no crédito rotativo voltaram a subir no Brasil, depois que o Banco Central (BC) elevou a taxa básica de 7,25% para 11% ao ano, na tentativa de abafar a disparada da inflação. Acontece que, com o emprego e a renda em alta, as pessoas continuaram comprando parcelado: o endividamento das famílias em março deste ano ficou em 45% da renda, um ponto percentual acima do registrado quando a Selic voltou a subir, em abril do ano passado.
- Mesmo com o juro em alta, a maior parte das pessoas continua sem calcular o custo do dinheiro. Assim, fatias cada vez mais altas da renda são comprometidas somente para pagar juros - analisa o professor de Economia da PUCRS Wilson Marchionatti.
Esse custo do dinheiro tem pesado no bolso da população. Dados do BC mostram que, a cada R$ 5,30 que o brasileiro gasta em prestação, outro R$ 1 é pago como juro - ou seja, quase 20% do gasto com parcelas vai para o cofre de bancos ou financeiras. E isso corrói o poder de compra dos consumidores, que poderiam gastar mais em produtos ou serviços se as taxas fossem menores.
Em alguns casos, essa proporção é estratosférica. Com taxas de 232% e 158% ao ano, cartões de crédito e cheques especiais absorvem mais dinheiro do consumidor com juros do que com as compras em si. Essas taxas afetam 12% dos usuários de cartão, que preferem parcelar a fatura, naufragando no crédito rotativo, do que pagar a conta cheia, conforme a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).
- Se fizer o cálculo e perceber o tamanho do juro, o consumidor vai chegar à conclusão de que, muitas vezes, vale mais a pena juntar dinheiro por alguns meses para pagar um bem à vista - afirma o consultor financeiro Edward Claudio Jr.
O estudante Leonardo Marchionni faz as contas - dele e da família. Depois de ver a agonia da mãe tentando tirar o nome de um cadastro negativo e suspender o cartão de crédito da noiva para evitar novas dívidas, ele passou a sentar com elas e ajudá-las a planejar cada compra.
- Cartão pode ser uma boa se for bem usado: pagando em apenas uma vez e quitando o valor cheio da fatura. O que não dá para fazer é deixar as dívidas se acumularem e virarem bola de neve - diz Leonardo.
Guia de sobrevivência
Do tamanho certo - Conheça as opções oferecidas no seu contrato para o uso do serviço. Não é necessário, por exemplo, ter cartão internacional se você não costuma viajar ao Exterior.
Evite o parcelamento - A facilidade para parcelar compras é um dos atrativos, mas é preciso controle. Não crie dívidas que sejam superiores ao seu orçamento do mês seguinte.
Pague a fatura à vista - A fatura mensal deve ser quitada no valor total. O pagamento mínimo abre caminho para uma dívida difícil de controlar.
Negocie a anuidade - Os bancos costumam negociar descontos no pagamento de anuidade. Se considerar o aumento abusivo, e esgotadas as possibilidades de negociação, pode-se questionar as tarifas no Procon.
Se estiver endividado - Procure a administradora de seu cartão e tente combinar o parcelamento com taxa de juro mais baixa. Avalie também a possibilidade de tomar um empréstimo para liquidar o débito do cartão de crédito. O juro médio do crédito direto ao consumidor (CRC) é de 21,7% ao ano, 10 vezes menor do que o do cartão.