
O que Joaquim Levy carregava naturalmente em seu 1,92 metro - formação ortodoxa e convicção sobre austeridade - seu substituto no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, precisará comprovar no exercício do cargo. Com apenas dois centímetros a menos de estatura, o sucessor terá de se mostrar à altura de um desafio considerável: provar que deixou para trás os tempos de defensor do intervencionismo do Estado, como um dos idealizadores da "nova matriz econômica".
Entre a saída do cargo de secretário-executivo do Ministério da Fazenda, no tempo de Guido Mantega, e a volta ao governo como titular do Planejamento, Barbosa passou pela Fundação Getulio Vargas (FGV), um templo da ortodoxia. Foi amparado nessa passagem que tentou pavimentar o caminho para a Fazenda na formação do ministério do segundo mandato de Dilma com postura de mais responsabilidade fiscal. Acabou superado pela fama de "mãos de tesoura" de Levy.
Aos 46 anos, Barbosa é formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificada com a escola mais intervencionista, e doutorado pela New School for Social Research de Nova York - escola fundada por intelectuais progressistas, onde Hannah Arendt dava aulas. A formação contrasta com a de Levy, doutor em Economia pela Universidade de Chicago, maior ícone do liberalismo econômico.
Barbosa afirma que foco continua a ser o reequilíbrio fiscal
Se na época do novo "milagre brasileiro", o final da primeira década do século 21, essa característica tinha certo apelo, os rombos gigantes abertos nos últimos anos demandaram mais ortodoxia.
Todo o discurso de Barbosa na primeira entrevista que se seguiu ao coroamento de seus esforços para chegar à cadeira principal da Fazenda foi no sentido de tentar assegurar que, de fato, mudou. Sua atuação de antagonista da tesoura de Levy, no entanto, não ajuda a sustentar essa versão "fiscalista".
De um lado, a ascensão consagra seu poder no Planalto. De outro, abre interrogações inquietantes. Uma das mais agudas é o quanto o governo está disposto a ceder na luta pelo equilíbrio fiscal em nome da popularidade necessária para reduzir o risco de aprovação do impeachment. Barbosa foi tão insensado pelos mesmos petistas críticos da obsessão de Levy com o ajuste, que esse entusiasmo abre dúvidas razoáveis.
Neste final de semana, Barbosa vai remontar a equipe. Não poderá contar com o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive. Terá dois meses até o fim do recesso parlamentar e judiciário para mostrar como conduz a economia. Deve enfrentar revéses, como a provável perda da última nota em grau de investimento do Brasil. A Moody's, única agência que não rebaixou o país para grau especulativo, avaliou que a saída de Levy "pode complicar os esforços de consolidação fiscal". Barbosa terá de provar que não.
Os 12 trabalhos do ministro
Estudo elaborado por Nelson Barbosa na FGV, intitulado O Desafio Macroeconômico 2015-2018, relaciona 12 ações para equilibrar as contas públicas aos míticos 12 trabalhos de Hércules. Seu desafio, agora, será provar que foi de fato convertido e deixou para trás os tempos da "nova matriz econômica". Veja o que ele pregava em setembro de 2014 e o estágio de cada iniciativa teórica - das 12, só três foram iniciadas, e faltam só três anos.
1. Diminuir perda fiscal com preços regulados (especialmente energia e combustível) - Iniciado
2. Continuar a reduzir a folha de pagamento da União em proporção do PIB - Sem previsão
3. Estabilizar as transferências de renda, também em proporção do PIB - Sem previsão
4. Continuar a aumentar o gasto público real per capita com educação e saúde - Sem previsão
5. Reduzir gasto com custeio não prioritário em proporção do PIB, com melhora de gestão - Sem previsão
6. Aumentar investimento público em transporte urbano e inclusão digital - Sem previsão
7. Reduzir custo fiscal dos empréstimos da União aos bancos públicos (BNDES e TJLP) - Iniciado
8. Encaminhar solução para dívidas de Estados e municípios sem comprometer o equilíbrio fiscal - Sem previsão
9. Realizar reforma do PIS-Cofins sem perda de receita - Sem previsão
10. Completar reforma do ICMS sem redução do resultado primário - Sem previsão
11. Aperfeiçoar e criar uma "saída suave" do Supersimples (empreendedorismo) - Iniciado
12. Aumentar ainda mais a transparência do "gasto tributário" federal - Sem previsão