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Se havia dúvida sobre a fidelidade da expressão "nada é tão ruim que não possa piorar", a semana que passou acabou de confirmar. Na terça-feira, os dados do IBGE sobre o desempenho da economia agravaram - e muito - as projeções para o tamanho da recessão em 2015. No dia seguinte, a aceitação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), espalhou temores sobre a duração do ciclo de drenagem do Produto Interno Bruto (PIB).
Nem a euforia da bolsa de valores, no dia seguinte, mascarou o alçapão que se abriu no tão prospectado fundo do poço. Até porque a semana fechou com o mercado voltando à racionalidade. Com o Congresso absorvido na formação da comissão especial que vai decidir sobre o avanço do processo e na contagem de votos, a votação de medidas de correção da economia se estenderá por alguns meses. Pelo menos.
A revista britânica The Economist considera Dilma "a presidente mais impopular e ineficaz da história moderna brasileira". Ainda assim, por considerar a decisão de Cunha como "ato de vingança", avaliou que a presidente, ironicamente, ganhava força para se manter no cargo. Semelhante avaliação havia sido feita pela consultoria de risco político Eurasia Group, ao afirmar que a antecipação do processo favorecia Dilma por chegar antes que as crises política e econômica se agravassem. A reação de analistas e consultorias econômicas à forte queda no PIB foi refazer os cálculos. Boa parte, agora, aproxima-se de 4%, muito perto da máxima da série histórica do indicador, de um tombo de 4,3% em 1990.
Na segunda-feira, em evento do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), o fundador do Movimento Brasil Competitivo, Jorge Gerdau Johannpeter, afirmara que o Brasil enfrenta crises fiscal, política, econômica, ética e jurídica. Na terça, ao apresentar o primeiro balanço do ano com perspectivas para 2016 entre as entidades empresariais do Estado, o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, disse antever a maior recessão do Brasil desde a grande depressão dos anos 1930. Na quinta-feira, ao receber o prêmio de Economista do Ano do Conselho Regional de Economia, Flavio Comim, professor da UFRGS, manifestou a preocupação de que a ascensão recente das classes D e E seja completamente revertida, dados o tamanho e a profundidade da recessão.
Só há uma certeza entre economistas, empresários, analistas e sindicalistas: com a abertura do processo de impeachment, o mar de incerteza em que o Brasil já estava mergulhado se aprofunda. Na busca de soluções que será retardada, o que mais preocupa é o rombo nas contas públicas, negociado pelo governo em R$ 119,9 bilhões neste ano. O déficit maior vai se transformar em dívida, também alimentada com o juro alto condicionado pela inflação idem.
Cortar o ciclo de maus indicadores que se reforçam será um desafio para qualquer governante. A atual, seu sucessor ou outro líder politico que assuma nessas condições. E aí se avolumam as ondas de dúvida do mar profundo: quem será a equipe econômica em caso de mudança do detentor da faixa presidencial? Quem dará apoio no Congresso e quem fará oposição? Que tipo de adversários vai enfrentar? E como tudo isso vai condicionar a eleição de 2018?
PT convoca militância e setores da sociedade para defender mandato de Dilma
Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central
"O pedido de impeachment tira nossa bússola. Havia uma política fiscal capenga, mas estava sendo aplicada. Foi feita a correção dos preços administrados e do câmbio. Com as atenções do Congresso voltadas à discussão do impeachment, ficamos sem farol.
Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica
"A queda acumulada em 2015 na indústria de transformação chega a 11%. A indústria está devastada. É um setor que emprega muita gente, é preciso blindar minimamente a economia para evitar uma crise avassaladora no emprego.
Descasamento entre dívida e PIB
É uma questão de tempo para que o Brasil perca a segunda nota em grau de investimento, essencial para que fundos institucionais mantenham seus recursos em títulos públicos ou no mercado de capitais local. Com déficits crescentes transformados em dívida e uma recessão maior do que a esperada, piora o principal indicador avaliado pelas agências de análise de risco: a proporção da dívida em relação ao PIB - uma cresce, o outro cai. Na avaliação de Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC, boa parte desse movimento já está "precificada", ou seja, embutido no prêmio de risco que o Brasil paga e descontada do câmbio e da movimentação do mercado de capitais. Para o cidadão, o efeito será mais inflação e mais juro.
O futuro do ajuste essencial
Se o impasse político impediu a aprovação de boa parte do ajuste fiscal - primeiro passo para corrigir o desequilíbrio entre despesa e receita pública - ao longo de 2015, a dificuldade vai aumentar com a discussão do impeachment. Jorge Gerdau observou que os "inimigos" Dilma e Cunha tinham um objetivo em comum: empurrar a situação com a barriga. Agora, nem isso.
A probabilidade de que o governo faça cortes "na carne", diante da necessidade de negociar apoio político despenca. Aumento de tributos que reforcem a receita agravam a rejeição ao governo.
- É preciso evitar que decisões básicas da economia sejam paralisadas - insiste Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica.
Quem vai investir sem confiança?
Nos dados do IBGE, o indicador do investimento cai há seis trimestres consecutivos. O comportamento desse indicador embute a crônica da paralisação anunciada. Uma das grandes expectativas para 2016 era o plano de concessões do governo federal, que atrairia capital estrangeiro e permitiria tocar obras essenciais à melhoria da logística que prejudica a competitividade brasileira. Imagine a cena: o investidor externo examina a possibilidade de investir em programa de um governo cujo líder está ameaçado de remoção do cargo pelo parlamento. Não é preciso muita experiência em negócios para perceber que a hipótese não inspira confiança. Será preciso concluir o processo para oferecer parceria.