Maior tombo da economia brasileira desde 1990, a queda de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 não chegou a ser surpresa. Como na obra Crônicas de uma Morte Anunciada, do escritor Gabriel García Márquez, todos os personagens envolvidos no enredo – governo, empresários, analistas, acadêmicos e consumidores – já sabiam de antemão que o desfecho não seria feliz e, mesmo assim, nenhum deles conseguiu impedir que de fato o pior ocorresse.
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Risco maior é repetir também em 2016 o desfecho trágico da narrativa do colombiano: o jovem Santiago Nasar, vítima do crime, pouco tinha a ver com o conflito criado enquanto o verdadeiro responsável segue com paradeiro desconhecido.
Confira abaixo quem foram os cúmplices que contribuíram para a profunda recessão em 2015.

POLÍTICA FISCAL As contas públicas são um dos pontos-chaves da recessão que o país enfrenta. Ao gastar mais que arrecada por dois anos seguidos e tentar utilizar de contabilidade criativa para cobrir o rombo, o governo deixou credores desconfiados sobre a capacidade do governo Dilma Rousseff manter o pagamento da dívida em dia. O excesso de gastos também alimentou a inflação, que disparou ao longo de 2015, obrigando o Banco Central (BC) a subir a taxa de juro, tornando ainda mais salgada a dívida pública. Em meio a um conflito político, o governo adotou poucas medidas de ajuste.

FALTA DE CREDIBILIDADE Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda em 1º de janeiro de 2015 com a missão de realizar um ajuste nas contas públicas e, assim, recuperar a credibilidade da equipe econômica do governo _ perdida após a contabilidade criativa adotada pelo antecessor, Guido Mantega. Apelidado de "mãos de tesoura" por políticos governistas, inconformados com as propostas de cortes de gastos, o economista pouco conseguiu fazer na prática. O pouco traquejo político de Levy impediu um acerto com deputados, e a maior parte das medidas sequer foi votada. O Brasil acabou perdendo o grau de investimento das principais agências de classificação de risco. Levy foi substituído por Nelson Barbosa em 21 de dezembro passado.

PETROBRAS O impacto da redução dos investimentos do setor de óleo e gás após o início das investigações da Operação Lava-Jato teve forte impacto no PIB. De acordo com estudo realizado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a redução da participação da estatal na economia pode explicar uma contração de até dois pontos percentuais do PIB. O encolhimento de recursos da estatal acabou por contagiar empresas fornecedoras e empreiteiras, várias delas também envolvidas no escândalo de corrupção, que teve o ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró como um dos delatores.

EMPRESÁRIOS Principais críticos do descontrole nas contas públicas, empresários dos mais variados segmentos seguem batendo na porta do governo em busca de incentivos fiscais setoriais _ mesmo sabendo que eventuais desonerações impactam diretamente na arrecadação e empurram para cima a dívida pública. O fim das alíquotas reduzidas de IPI e da desoneração da folha de pagamento não agradou, e a pressão por novos incentivos para estimular as vendas só cresceu.

CHINA A desaceleração da economia chinesa, principal parceiro comercial do país, impactou na venda de matéria-prima brasileira para a Ásia. Ao substituir o modelo de crescimento baseado no investimento para um outro, baseado no consumo das famílias, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, reduziu o volume de compras no mercado internacional, empurrando para baixo a cotação de produtos como minério de ferro e petróleo bruto. O terremoto financeiro em Xangai _ as bolsas chinesas perderam cerca de US$ 3 trilhões no ano _ também teve reflexos no Brasil. Além de impactar nas exportações para o país, aumentou a percepção de risco nos mercados emergentes

DESACELERAÇÃO INTERNACIONAL Mesmo após a imposição de medidas de ajuste aos países endividados, a Europa segue com fraco ritmo de crescimento econômico, o que também afetou o Brasil. Responsável por 25% do comércio global, o continente segue com freio de mão puxado nas importações quase sete anos após o estouro da crise. A possível saída da Grécia da zona do euro no ano passado também deixou marcas. Havia risco de que a saída do bloco assustasse ainda mais investidores com dinheiro aplicado em mercados emergentes.

ENTRAVES NO CONGRESSO O conflito entre Executivo e Legislativo impediu que medidas de ajuste nas contas públicas _ que poderiam colocar a economia novamente no rumo _ fossem adotadas em 2015. Em meio a um processo de impeachment contra a presidente Dilma, projetos que poderiam aumentar a arrecadação e diminuir os gastos não foram colocados em pauta para votação. A guerra declarada do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao Planalto acabou tomando conta de Brasília, deixando de lado o debate de soluções para a crise econômica, que deve se estender ainda por 2016.

JURO AMERICANO Mesmo antes de confirmar a alta na taxa de juro em dezembro, a primeira desde 2006, o Banco Central americano, presidido pela economista Janet Yellen, já causava turbulências nos mercados emergentes, entre eles, o Brasil. Considerada a economia mais segura do mundo, os Estados Unidos atraíram ao longo de 2015 recursos investidos em outros países, provocando desvalorização das moedas locais. No caso brasileiro, o reflexo foi ainda maior com a situação econômica e política interna conturbada. Em 12 meses, o dólar disparou 48%, pressionando a inflação e encarecendo viagens ao Exterior.

OS VIZINHOS As políticas protecionistas adotadas pelos vizinhos na América Latina prejudicaram o crescimento brasileiro. Governada por Cristina Kirchner, a Argentina, outrora uma das principais parceiras comerciais, impôs novas rodadas de licenças não automáticas _ mecanismo que dificulta a entrada de produtos brasileiros no país. Os principais setores afetados foram automotivo, têxtil e alimentos. Além disso, o isolamento político de Venezuela e Bolívia causa entraves para que o Brasil estabeleça novas parcerias. É o caso do Tratado de Livre Comércio Transpacífico (TPP, na sigla em inglês). As regras do Mercosul exigem que todos os países do bloco participem de acordos.

VOCÊ Sim, todos nós fomos responsáveis pela recessão na economia. Com a expectativa de que a crise piorasse, consumidores reduziram as compras e evitaram tomar crédito ao longo do ano, reduzindo a arrecadação de impostos e os ganhos das empresas, contribuindo de certa forma para o agravamento da situação. Ao vislumbrar um cenário ruim, as pessoas acabam involuntariamente contribuindo para que ele fique de fato pior. A expectativa dos consumidores e investidores em relação ao futuro é determinante para o desempenho da economia.