A disposição em atacar o aumento da dívida pública, realizar reformas e estimular parcerias público-privadas, defendidas pelo presidente interino Michel Temer no discurso de posse, soaram como música para economistas, empresários e investidores há muito descontentes com o rumo do governo Dilma na área econômica. Mas atentos à fragmentação partidária dentro Congresso e às dificuldades de aprovar projetos com pouco apoio popular deixam todos com olhar um pouco cético para eventuais mudanças. Se as propostas ficarem na promessa,o otimismo logo pode se transformar em desconfiança.
– O fato de Temer colocar o ajuste fiscal no centro de seu programa de governo é fundamental, pois trata-se do principal entrave ao país neste momento – avalia o professor do pós graduação de Economia FGV do Rio de Janeiro, Mauro Rochlin – Mas para fazer isso, ou ele terá de aumentar imposto, ou atacar interesses para reduzir despesas. Não tem caminho fácil.
Na tarde de ontem, durante a cerimônia de posse no Palácio do Planalto, Temer falou em combater o rombo nas contas públicas, cujo défcit deverá alcançar R$ 100 bilhões neste ano. Seria o caminho para reconquistar a confiança de trabalhadores, empresários e investidores estrangeiros. Uma das medidas seria uma nova ofensiva em programas de concessão, retirando do Estado o peso de obras de infraestrutura.
– Os programas de concessão do governo Dilma Rousseff saíram de rota em razão da modicidade tarifária. Se o projeto de Temer for mais livre, haverá dinheiro e disposição de investidores para aplicar em estradas, portos e aeroportos – afirma Rochlin.
Economistas avaliam que o governo interino dificilmente escapará de aumento de impostos para colocar as contas em equilíbrio – o discurso de Temer ignorou a questão tributária. O presidente mencionou uma rediscussão do pacto federativo com Estados e municípios, o que pode sinalizar disposição de voltar à mesa de discussão quanto às dívidas.
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– Os Estados estão quebrados, de fato não se pode escapar de um novo pacto. Entretanto, isso significa a União abrir mão de arrecadação, e essa perda teria de ser compensada de alguma forma – aponta Alexandre Espirito Santo, economista da Órama Investimentos, que menciona como alternativa a arrecadação que o governo teria com uma nova rodada de concessões.
Entretanto, dificilmente as novas medidas vão agradar a todos – seja empresários e sociedade civil, com eventual aumento de impostos (não está descartada entre aliados de Temer a volta da CPMF), seja trabalhadores e funcionários públicos, com regras mais duras com reformas tributária e previdenciária. Michel Temer frisou que não irá mexer "em direito adquirido", mas, para especialistas, isso não significa que as regras continuarão as mesmas. O programa de governo do PMDB, por exemplo, sugere idade mínima para a aposentadoria, hoje inexistente.
– O governo terá de adotar medidas antipáticas para alcançar o ajuste fiscal, e é inevitável que alguns sacrifícios sejam feitos. Senão o país continuará aumentando a dívida descontroladamente, e a economia não crescerá – afirma Espirito Santo.
O discurso da posse de Temer vem alinhado com a escolha dos nomes para a área econômica, Henrique Meirelles, já confirmado na Fazenda, e Ilan Goldfajn e Mansueto Almeida para o Tesouro – tidos como novos responsáveis pelo comando do Banco Central e do Tesouro Nacional.
– O novo presidente tem tomado todas as medidas possíveis para retomar a confiança do governo com investidores. Primeiro escolheu uma equipe liberal, respeitada pelo mercado, com credibilidade na área econômica. Depois apontou como prioridade, já no primeiro pronunciamento, o embate a problemas que há muito a iniciativa privada reclama – afirma André Trein, economista da gestores de patrimônio Fundamenta.
Na avaliação de Trein, o novo governo deveria em um primeiro momento focar energias na construção de um programa "forte" de infraestrutura para estimular parcerias público-privadas. Seria uma boa oportunidade, segundo o economista, para aproveitar o bom humor de investidores com a saída do PT para retomar projetos parados e estimular a economia:
– O empresariado quer investir, mas faltava segurança jurídica em um governo que intervinha demais e até a taxa de retorno tentou limitar. Temer deve lançar propostas logo para que a empolgação não se transforme em desconfiança novamente.
Gestora da Zenith Asset Management, Debora Morsch, acredita que a prioridade do governo nos próximos meses deve ser aprovar no Congresso reformas previdenciária e trabalhista:
– A primeira é fundamental para melhorara as contas públicas, a segunda é caminho necessário para a retomada do crescimento. Temer deve aproveitar agora, que tem apoio de dois terços da Câmara e do Senado para aprovar projetos que Dilma não conseguiu em cinco anos.