Economia

Calote a banco

Caso Badesul: após Piratini criar sindicância, deputado recua em CPI

Segunda-feira foi de reações do Executivo, do Legislativo e de órgãos de controle após revelação de que banco de fomento gaúcho sofreu calote de R$ 140 milhões em operações com problemas nas análises de crédito

Carlos Rollsing

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Prédio da sede, na Capital, foi integrado ao patrimônio do banco para ampliar capacidade de crédito

Reações nos poderes Executivo e Legislativo e nos órgãos de controle sucederam a revelação, feita por reportagem de Zero Hora, de que o Badesul sofreu calote de R$ 140 milhões, em valores atualizados pelos encargos contratuais, somente nos empréstimos à Iesa Óleo e Gás e à Wind Power Energia. Os contratos foram firmados entre 2011 e 2014, na gestão de Marcelo Lopes à frente do banco, durante o governo Tarso Genro.

O Palácio Piratini anunciou, nesta segunda-feira, a criação de sindicância para verificar irregularidades nas liberações de crédito, que contaram com flexibilização na exigência de garantias bancárias. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) irá integrar o grupo. Uma reunião nesta terça-feira irá definir critérios técnicos da atuação.

– O governo do Estado enfatiza a necessidade de apuração dos fatos para resguardar o patrimônio público e não medirá esforços, no âmbito de sua competência, para reaver os valores emprestados – diz nota distribuída pelo Piratini.

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Nesta segunda-feira à tarde, horas antes da decisão do governo de abrir investigação própria, o deputado estadual Sérgio Turra (PP) chegou a anunciar oficialmente que começaria a recolher assinaturas a favor de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Badesul. Turra acabou recuando com a alegação de que a sindicância "pode trazer mais subsídios para uma eventual investigação parlamentar". O deputado não descarta retomar a busca de apoios à CPI "em um segundo momento".

Apesar da ponderação de Turra, outros parlamentares avaliaram que a Assembleia deve ter participação ativa na apuração dos fatos.

– O caso é gravíssimo. Guardadas as proporções, é muito similar ao que aconteceu com a Petrobras. Quebraram a empresa devido à irresponsabilidade com os recursos – afirma Gabriel Souza (PMDB), líder do governo.

A Assembleia está em recesso devido às eleições municipais. Na segunda-feira, dia 3 de outubro, as atividades serão retomadas.

– Não podemos perder tanto dinheiro, ainda mais sabendo que foi feita toda uma engenharia para isso. Essa situação não tem nada a ver com crise. Houve interesse – diz o deputado estadual Marlon Santos (PDT).

Líder do PT na Assembleia, Luiz Fernando Mainardi avalia que uma CPI requer "responsabilidade" e indícios concretos que justifiquem a sua abertura.

– Aquilo que tiver evidências, deve ser investigado. Mas existem as provas de favorecimento? Que isso não sirva como justificativa para fechar esse importante instrumento de fomento à economia do Estado - afirma Mainardi.

Presidente do banco entre 2011 e 2014, Marcelo Lopes disse que irá prestar "todos os esclarecimentos".

– Tenho trajetória sem nenhuma mácula. Vou com tranquilidade, operamos sem nenhum dolo, buscando desenvolver o Rio Grande do Sul. Aconteceu essa tragédia na economia que redunda nessa discussão sobre as nossas operações – avaliou Lopes.

Já o Ministério Público Estadual (MPE) indicou que deverá abrir investigação para apurar eventual prática criminosa e de improbidade administrativa na gestão da agência.

Os acordos com a Iesa e a Wind Power já estão sob investigação sigilosa do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Banco Central. Em 2014, o TCE solicitou acesso a 55 operações de crédito da agência de fomento consideradas suspeitas, mas teve o pedido negado sob alegação de sigilo bancário.

Os contratos entre o Badesul e as empresas foram assinados a partir de garantias bancárias fragilizadas, em atrito com normas do Banco Central. A Iesa apresentou um terreno em Charqueadas, onde se instalou, que valia apenas 34,7% do montante de R$ 40 milhões tomado de empréstimo. As normas do setor bancário, inclusive do próprio Badesul, indicam que as salvaguardas devem atingir pelo menos 130% do valor do financiamento. Marcelo Lopes, à frente do banco, editou resolução interna para afrouxar esta norma.

Já a Wind Power se beneficiou de R$ 50 milhões e, nas garantias, citou apenas contratos de fornecimento de aerogeradores, sem especificar contratos e receitas. As duas empresas estão inadimplentes, em recuperação judicial e com as operações paralisadas. O dinheiro dos empréstimos tomou rumo desconhecido. Era parte da política do governo Tarso a aposta na estratégia de crédito farto aos setores de geração de energia. O Badesul, recentemente, teve a nota rebaixada a zero pelo Bndes, onde ele busca 95% dos recursos que movimenta nas suas operações de financiamento. Isso significa que o banco está imobilizado, sem fonte de dinheiro novo.

PASSO A PASSO DA DECADÊNCIA

- Em julho de 2014, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), em auditoria ordinária no Badesul, pediu acesso a 55 operações do banco por meio da "Requisição 09/2014".

- O objetivo era verificar os critérios de concessão de crédito. Algumas dessas medidas foram tomadas após pedidos de providência do deputado estadual Marlon Santos (PDT). Em 2014, o TCE teve as solicitações negadas sob alegação de sigilo bancário.

- Ainda assim, abriu o processo 9607-0200/13-5, inicialmente baseado em análise de balanços da agência. Os apontamentos (veja abaixo) já indicavam o processo de deterioração financeira. Com o ingresso da atual diretoria em maio de 2015, o TCE passou a ter acesso aos documentos antes negados.

- Uma inspeção extraordinária foi aberta para analisar exclusivamente os casos da Iesa e da Wind Power. O relator do caso, que tramita em sigilo, é o conselheiro Iradir Pietroski. O Banco Central também abriu apurações acerca das duas negociações.

Veja algumas das informações que constam no relatório de auditoria ordinária do TCE nas contas do Badesul no exercício de 2013

- Faz referência ao forte crescimento do saldo da carteira de operações. Em apenas dois anos, o volume mais do que duplicou (104,7%). "Este tipo de ocorrência é atípica no mercado financeiro, por insustentável no médio prazo. Normalmente, o que se verifica são carteiras de crédito com taxas de crescimento estáveis e moderadas", registra o parecer.

- "No mesmo período em que se observou um crescimento vertiginoso da carteira de crédito do Badesul, o nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos (PCLD, que significa uma reserva para eventuais calotes) foi reduzido em 20,7%, de 3,2% da carteira no final de 2011 para 2,6% da carteira no final de 2013."

- "Restou óbvia a redução da proporção das operações menos arriscadas na carteira da agência de fomento. As operações mais seguras, as AA, eram 31,7% do saldo da carteira no final de 2011, e apenas 19,7% no final de 2013, uma queda de 37,9%. Cresceram as operações de risco.

As operações 'B ou pior' eram 23,1% do saldo da carteira no final de 2011 e passaram para 42,1% no final de 2013, elevação de 82,2%."

- Diz ainda o relatório: "Cruzando o incremento das operações mais arriscadas na carteira de crédito com a demonstrada redução de 20,7% no nível proporcional de provisionamento para perdas prováveis na realização de créditos, ficou entabulada uma marcante contradição, podendo significar que a instituição financeira pública está subestimando o nível de risco de sua carteira de crédito".

- "No final de 2011, as operações "B ou pior" tinham saldo de R$ 389,351 mil ou 69,7% do patrimônio líquido de R$ 558,395 mil do Badesul. Já no final de 2013, o saldo das operações 'B ou pior' era R$ 1.451,826 mil ou 198,2% do patrimônio líquido de R$ 732,290 mil do Badesul. Ou seja, se metade dessas operações 'B ou pior' desse perdas efetivas, o patrimônio líquido do Badesul estaria completamente liquidado", acrescenta o relatório da auditoria promovida pela área técnica do TCE.

CONTRAPONTOS

O que diz a Iesa
A reportagem de Zero Hora enviou e-mail, na última sexta-feira, com questionamentos sobre os contratos com o Badesul para a assessoria de imprensa da Iesa. Até a noite deste domingo, a empresa não havia retornado o contato.

O que diz a Wind Power
ZH também enviou e-mail, na sexta-feira, com questionamentos para o setor de comunicação da Impsa, empresa argentina controladora da Wind Power. Até a noite de domingo, a reportagem não havia recebido retorno.


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