Economia

Projetos no escuro

RS pode perder R$ 30 bilhões em investimentos de energia

Restrições do governo federal para  parques eólicos no Estado e corte de financiamentos do BNDES para usinas de carvão trazem risco de prejuízo

Marcelo Gonzatto

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ONS barrou ampliação de parques eólicos no Estado por falta de capacidade de transmissão de energia

Decisões recentes do governo federal colocam em risco investimentos na área de energia com potencial de alcançar R$ 30 bilhões nos próximos anos no Rio Grande do Sul e mobilizam empreendedores e Piratini para garantir recursos ao setor. Segundo especialistas, as restrições impostas a parques eólicos e usinas a carvão representam grave prejuízo à economia local e, no médio ou longo prazos, podem fragilizar a segurança de abastecimento para o Estado.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) decidiu cortar financiamentos para termelétricas a carvão – um dos principais recursos naturais do Estado –, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) barrou a ampliação do parque eólico gaúcho por falta de capacidade de transmissão de energia.

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Os empreendimentos eólicos que poderiam participar do leilão de energia marcado para dezembro somam 3 mil megawatts – cerca de um terço de tudo o que pode ser gerado hoje no Estado. Como são necessários, em média, R$ 6 milhões em investimentos para cada megawatt produzido, isso representaria até R$ 18 bilhões. Essa seria a possibilidade máxima de recursos, já que nem todos os candidatos são contemplados nos leilões, que costumam ocorrer duas vezes ao ano.

O consultor de energia e voluntário da Agenda 2020 Ronaldo Lague sustenta que, embora os leilões ocorram todo ano, a exclusão temporária pode prejudicar o Estado – pioneiro em geração eólica no país.

– Se os investidores puderem aplicar seus recursos em outros projetos pelo Brasil agora, talvez se desloquem para lá – analisa.

Em relação à restrição ao crédito para usinas a carvão, reflexo da falta de recursos do BNDES, que levou o banco a priorizar projetos de energia menos poluentes, Lague lamenta o possível impacto econômico. O Rio Grande do Sul concentra 87% das reservas desse mineral no país e poderia movimentar até R$ 15 bilhões com iniciativas já alinhavadas.

– O carvão é o nosso petróleo. O país deveria usar todas as suas fontes de energia, porque voltará a crescer – diz Lague.

Pedro Machado, consultor da GVEnergy, lembra que as hidrelétricas costumam alcançar cerca de 50% de sua capacidade de geração, enquanto as eólicas oscilam entre 30% e 40%. Termelétricas seriam importantes para a segurança de abastecimento pelo fato de permitirem o controle da fonte de suprimento – seja carvão, gás ou óleo – e assim garantir fornecimento estável.

– Não se consegue extrair 100% da potência instalada de hidrelétricas ou parques eólicos porque não temos como controlar chuva ou vento – esclarece Machado.

O consultor não projeta risco de desabastecimento no curto prazo, até porque a crise econômica derrubou o consumo no ano passado (veja gráfico). Porém, aprovação dos projetos de parques eólicos, segundo ele, seria capaz de sustentar eventual crescimento nos próximos anos.

– As eólicas, que teriam capacidade máxima de 3 mil megawatts, forneceriam em média 900 megawatts. Isso seria suficiente para garantir o aumento do consumo no Estado, a uma taxa anual de 3%, durante uns cinco anos – calcula Machado.

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O secretário estadual de Minas e Energia, Lucas Redecker, enviou ofício ao Ministério de Minas e Energia solicitando revisão nos critérios do leilão de energia, previsto para dezembro, a fim de permitir a participação de empreendimentos gaúchos.

– Cada projeto estimula a cadeia econômica. Um parque representa de R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão – avalia Redecker.

Até sexta-feira, a secretaria aguardava resposta. Procurado por ZH, o ministério não se manifestou. Em relação ao carvão, o secretário avalia que o corte dos financiamentos poderá não ter impacto significativo sobre alguns dos projetos, como a Usina de Ouro Negro, em Pedras Altas:

– Em alguns casos, há a participação de investidores estrangeiros, como chineses.

Investidores ligados ao carvão apostam em nova legislação

Excluídos das linhas de financiamento do BNDES para novos empreendimentos, investidores da área de energia à base de carvão natural apostam que a nova lei do setor elétrico – aprovada pelo Congresso na semana passada – poderá permitir a retomada dos financiamentos públicos. A legislação prevê a modernização do parque termelétrico movido a carvão mineral, com a substituição das usinas antigas por outras menos poluentes.

A medida provisória 735/2016 foi publicada no Diário Oficial em junho, mas teve de passar pelo crivo da Câmara e do Senado, de onde seguiu na quarta-feira passada para sanção presidencial. O artigo 20 da proposta prevê a criação de "programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027, com o intuito de preservar no mínimo o nível de produção de carvão mineral nacional".

Estado tem as maiores reservas de carvão mineral do país e potencial para instalação de usinas termelétricas

O texto também determina a redução da emissão de gases de efeito estufa resultantes da queima do mineral para produzir energia em, no mínimo, 10% a partir de 2023. Para o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, a inclusão desse artigo, negociado com o relator da medida, o deputado federal José Carlos Aleluia (DEM-BA), permitiria ao BNDES retomar os financiamentos de projetos para o setor.

– Não estamos falando em financiar a expansão (das usinas a carvão), mas a modernização. Uma vez que isso se torne política pública, com a aprovação da medida provisória, e reduza a emissão dos gases do efeito estufa, não vemos razão para o banco não retomar os financiamentos. Mas ainda não procuramos o BNDES para tratar disso – observa Zancan.

A associação estima que a renovação do parque carbonífero com base na nova lei poderia gerar US$ 5 bilhões (aproximadamente R$ 15,7 bilhões) em investimentos distribuídos entre os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

"O setor de transmissão no país está quebrado", diz presidente de entidade

Presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum sustenta que o obstáculo a investimentos no setor em solo gaúcho tem origem na falta de recursos para infraestrutura nos últimos anos. Confira, a seguir, entrevista concedida por telefone a ZH.

Como você vê essa impossibilidade temporária de se investir em projetos de energia eólica no Rio Grande do Sul. Não haveria uma alternativa?

Em primeiro lugar, não é um problema do Rio Grande do Sul. É do país. O Brasil está passando por problema grave de transmissão. Teve início lá por 2009, 2010, porque o segmento de transmissão não estava atraindo investidores. Um dos fatores é o preço-teto muito baixo (retorno oferecido aos investidores). O último governo priorizou modicidade tarifária (cobrança da menor tarifa possível, mas que garanta lucro) pouco realista. Então, é um problema estrutural. Neste ano, atingimos o ápice da crise da falta de infraestrutura em transmissão.

O retorno oferecido era considerado muito baixo?

Era, e o risco, muito alto. Então as empresas de transmissão que ficaram nos leilões foram as estatais, porque essas são meio que obrigadas a investir com as tais taxas de retorno "patrióticas".

Como a Eletrosul, no Rio Grande do Sul?

Sim. Se você verificar, a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) atrasou suas obras em um passado recente, e alguns parques eólicos não entraram em operação porque não tinham linha (em 2013, 26 empreendimentos no Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Norte enfrentavam esse problema). A Eletrosul não tem dinheiro para fazer os projetos. Está quebrada. E a Abengoa, uma espanhola, que era a única privada que investia em transmissão, quebrou. Então, o setor de transmissão no Brasil está quebrado.

Qual a perspectiva daqui para frente?

Agora, é solução de médio e longo prazos. O setor já verificou isso, o governo está trabalhando, e já melhoraram bastante as margens dos leilões de transmissão. Mas estamos falando de infraestrutura. Uma decisão tomada hoje tem resultado para daqui a três anos. Não tem como aparecer com linha de transmissão da noite para o dia no Rio Grande do Sul para resolver o problema.

Há algum risco de desabastecimento, ainda que localizado?

Não há risco de desabastecimento por falta de linha de transmissão. O Brasil tem uma interconexão muito forte, com capacidade grande de transferir energia. No curto e médio prazos, não vejo risco para o abastecimento.

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