
Representante do trabalhismo de Leonel Brizola - que estatizou empresas estrangeiras durante seu governo no final da década de 1950 -, Vieira da Cunha não teme defender concessões à iniciativa privada na sua plataforma ao Palácio Piratini.
Afirma que, se ganhar a eleição, vai assinar parcerias público-privadas (PPPs) para ampliar a infraestrutura do Estado e alavancar o crescimento. O pedetista é o primeiro de uma série de entrevistas que ZH faz com os quatro candidatos com melhor desempenho nas pesquisas de intenção de voto. As sabatinas são realizadas conforme a disponibilidade de agenda dos concorrentes.
Em vídeo, confira as respostas de Vieira da Cunha:
Com tantas dificuldades estruturais e financeiras no Estado, o que motiva o senhor a concorrer a governador?
Acredito no potencial do Estado. O RS é um Estado maior do que seus problemas todos somados. Nosso crescimento tem sido maior do que o nacional em função da nossa agricultura e agropecuária. Somos um povo trabalhador, que desbravou outras regiões e levou desenvolvimento. Temos tudo para superar este quadro de dificuldades. A situação é grave, somos o Estado mais endividado, tivemos déficit orçamentário de R$ 1,4 bilhão no ano passado e um déficit financeiro de R$ 4 bilhões, mas entendo que, com um conjunto de ações que pretendemos tomar, podemos superar as dificuldades.
Como enfrentar o déficit?
Passa por nossa relação com a União. No ano passado, mandamos R$ 54 bilhões para Brasília em tributos federais e voltaram de lá apenas R$ 12 bilhões. Isso não pode continuar. Outro exemplo são as perdas da Lei Kandir. O Estado perdeu R$ 27,5 bilhões nos últimos 10 anos. Tem ainda a redução da parcela do RS no Fundo de Participação dos Estados, o FPE. Um Estado como o Rio Grande do Sul, com a contribuição que dá para o país, recebe 1,9% do FPE. Essa situação tem de ser revista. Tarso se elegeu com o discurso do alinhamento de estrelas, mas não foi isso que se viu. Passou o governo usando o caixa único, os depósitos judiciais e empréstimos porque o fundamental, a recomposição da relação com a União, não ocorreu. O próprio projeto de renegociação da dívida está empacado no Senado, porque o ministro da Fazenda pediu que não fosse votado. Temos de ter uma postura de enfrentamento em relação à União, inclusive judicial. O contrato da dívida não pode continuar nos sangrando. Todos os meses, 13% da nossa receita vai para Brasília. Isso nos sufoca.
O senhor defende redução nos cargos de confiança, mas o PDT tinha mais de 200 no governo Tarso. O governador precisa ter maioria na Assembleia e usa os cargos para isso. Não há contradição na sua proposta?
O PDT participou de um governo e tinha um espaço de acordo com o compromisso político acertado. Não cabia ao PDT aumentar ou diminuir CCs. O governo é do PT. E a maioria na Assembleia não precisa ser construída com troca de favores e distribuição de cargos. Isso é a velha política que está sendo contestada hoje. O povo não aceita mais o toma lá dá cá. O povo está clamando por uma nova política, na qual o governante assume e envia à Assembleia projetos que, se estiverem de acordo com o interesse da sociedade, serão aprovados independentemente de partidos e bancadas.
Mas o PDT teve de ceder à lógica dos cargos na formação do governo em Porto Alegre. José Fortunati tentou reduzir os CCs, foi pressionado pelos aliados e não conseguiu fazer o que pretendia. O corte foi menor do que o número de vagas criadas no início do governo. Os aliados vão aceitar essa nova política?
Fortunati reduziu o número de CCs. Sou presidente do PDT em Porto Alegre e tive de cumprir o doloroso papel de exonerar companheiros. Não tenho informações sobre a equação entre a criação de cargos e as exonerações, mas houve redução. Vamos cortar 20% dos CCs como forma de dar exemplo e não apenas como forma de reduzir gastos, que são mínimos.
O senhor concorda com o pagamento retroativo dos subsídios a membros do Ministério Público Estadual?
Estou afastado do MP há 20 anos, não tenho detalhes. O que posso dizer é que temos obrigação de cumprir a lei e a Constituição.
Mas o governo estadual está tentando evitar esse pagamento, que passa de R$ 200 milhões. O senhor manterá a posição da Procuradoria-Geral do Estado?
Se estamos tratando de um poder autônomo, como MP e Judiciário são, se há previsão legal e se o orçamento da instituição comportar essa despesa, não cabe ao Executivo dizer o que é e o que não é para fazer.
Mas o Executivo contesta a previsão legal do pagamento. E o dinheiro sairá de um orçamento que já é apertado.
Se não existe previsão legal e não tem amparo na Constituição, a Procuradoria-Geral do Estado, na minha administração, contestará. Mas estamos falando em hipótese. O fato de eu ser membro do MP não vai misturar meus papéis.
Se o aumento nos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal for aprovado, haverá um efeito cascata nos Estados. Se o reajuste para promotores e juízes passar pela Assembleia, o senhor sanciona?
Com certeza, sim. Temos o compromisso de fazer a revisão geral e anual dos vencimentos dos servidores. Sou a favor da reposição das perdas inflacionárias para o conjunto do funcionalismo. Aumentos reais são diferenciados: dar mais para quem ganha menos e menos para quem ganha mais.
O senhor prefere o corte dos supersalários que ultrapassam o teto (R$ 26,5 mil) ou seu congelamento?
Os tribunais têm decidido pelo congelamento. O Judiciário está apontando o caminho legal.
Para conseguir aprovar o sistema de subsídios, promotores e juízes diziam que seria uma forma de acabar com os penduricalhos. Agora, a PEC da Magistratura, que está no Senado, propõe resgatar a gratificação por tempo de serviço. Qual a posição do senhor?
Sou favorável, e não se trata de penduricalhos. É um projeto de reinstituição do adicional por tempo de serviço que visa a remunerar melhor aqueles que estão em final de carreira. O sistema de subsídios fez com que exista uma diferença muito pequena entre quem entra e quem está no fim da carreira. O adicional por tempo de serviço visa a reconhecer a experiência, e é um argumento correto.
Em relação à meritocracia na educação, o senhor vai implantar o sistema de gratificação para professores de escolas que atingirem metas de ensino?
Em tese sou favorável. Na prática, vai depender da discussão democrática que vamos fazer com o magistério. A situação é mais complexa do que parece. Como vamos avaliar profissionais que têm condições de trabalho completamente distintas? Como vou avaliar professores que trabalham em uma escola organizada, com participação da comunidade, com colegas de uma escola sem as mínimas condições de estrutura para exercer sua profissão? Como avaliar um professor de escola de periferia que muitas vezes é agredido por aluno dentro da sala? São desafios que temos para não fazer injustiças.
Não poderia comparar a escola com ela mesma, premiar pela evolução?
É um caminho. Por isso, os critérios têm de ser muito bem discutidos para ter um sistema justo.
Quem seria o secretário de Educação do senhor?
Tem de ser uma pessoa da área, não necessariamente um pedetista, embora o partido tenha muitas pessoas competentes. O PDT tem muitos secretários municipais de Educação no Estado e, em princípio, poderia ser um deles, alguém reconhecido e com excelente trabalho realizado.
Qual foi o grande avanço que o PDT deu à educação quando assumiu a secretaria no governo Germano Rigotto?
Fortunati foi um excelente secretário, reconhecido com premiações. Diante das condições que teve, fez um bom trabalho.
Mas por que o resultado não apareceu?
Fortunati recebeu prêmios por indicadores muito positivos. Não tenho detalhes, mas posso ligar para ele e perguntar. Houve avanços.
A parceira público-privada (PPP) da ERS-010 está travada. O maior problema é o dinheiro para as desapropriações. Qual seu plano para a 010?
A precariedade das rodovias é tão grande que temos de tomar um conjunto de medidas para poder melhorar a infraestrutura do Estado. Temos de recuperar o Daer, que está sucateado, e garantir eficiência de atuação para a EGR (Empresa Gaúcha de Rodovias). E temos de fazer PPPs chamando a iniciativa privada a investir na área. Entretanto, será um processo diferente daquele que foi feito no governo Antônio Britto. Eu era deputado e votei contra o projeto. Não sou contra os pedágios em si, mas foi um processo imposto de cima para baixo, sem discutir com a comunidade. A população passou a pagar tarifas altíssimas e se revoltou com razão. Pretendemos publicar editais de licitação que serão precedidos de discussão com as comunidades que receberão as praças de pedágio. Também haverá participação dos conselhos regionais de desenvolvimento, os Coredes, que já têm um diagnóstico das necessidades nos trechos.
As rodovias estaduais com fluxo de veículos já têm as praças da EGR. Há alguma estrada que possa receber pedágios?
Esse plano tem de ser precedido de um amplo estudo técnico e do debate com a sociedade. Se esse processo for bem conduzido, de maneira democrática, com técnicos explicando os detalhes e a comunidade sabendo o que vai receber em troca como benefício para a estrada, a população vai aceitar. Se a tarifa for justa e houver contraprestação efetiva nas estradas, a população aceita.
O senhor pode conceder à iniciativa privada trechos que hoje estão com a EGR e exigir obras, como duplicações, por exemplo?
Com certeza. No meu plano de governo está prevista a convivência de Daer, EGR e iniciativa privada. A fatia de participação de cada um será tema de estudo técnico e de debate com a comunidade. Ao final, poderemos optar por este modelo de a EGR se retirar de determinadas estradas, que poderão ir para a iniciativa privada. A ideia é ter um equilíbrio no sistema.
Com empresas privadas, que têm lucro, as tarifas ficariam maiores. Não seria melhor tornar a EGR mais eficiente?
Em tese, sim. Ocorre que o volume de recursos que a EGR recebe nos pedágios não é suficiente para os investimentos necessários. Os empresários vão adiantar os recursos, vão realizar as obras, e, depois, ao longo da concessão, serão ressarcidos dos gastos.
O senhor ainda não anunciou seu candidato a presidente. O fato de estar fazendo uma campanha desligada de um projeto nacional não o prejudica?
Como é uma declaração pessoal, não tenho pressa. Antes do primeiro turno, como cidadão, Vieira da Cunha vai anunciar seu voto. Não é para influenciar ninguém, mas aqueles que vão votar em mim têm o direito de saber meu voto.
O senhor não sente falta de ter um candidato a presidente?
Sinto falta. Tanto que briguei muito dentro do partido para que tivéssemos Cristovam Buarque como candidato, mas fomos vencidos. Depois, defendi o apoio a Eduardo Campos e não a Dilma, mas a maioria entendeu que o PDT deveria apoiar o PT.
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CENA ELEITORAL ESPECIAL
Vieira da Cunha também respondeu a perguntas de leitores de Zero Hora no Cena Eleitoral Especial. Na entrevista em vídeo (assista abaixo), conduzida pela colunista Rosane de Oliveira e pela repórter Juliana Bublitz, o pedetista falou por que pretende governar um Estado endividado (0:30), defendeu com restrições a pensão para ex-governadores (2:40), reforçou o discurso contra a privatização do Banrisul (4:30) e prometeu cortar 20% dos cargos em comissão (6:40). Falou ainda sobre a corrupção no Estado (11:00), o nome do secretário da Fazenda caso eleito (12:20) e as iniciativas que tomará contra o racismo (14:20). Também detalhou os planos para a educação (16:50).
O Cena Eleitoral Especial entrevistará os quatro candidatos a governador mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto. A ordem das entrevistas foi definida a partir da disponibilidade da agenda dos candidatos. Os concorrentes têm até 20 minutos para responder, em vídeo, a dúvidas de leitores, enviadas via zerohora.com, Twitter e Facebook.
Você ainda pode mandar sua sugestão de pergunta para José Ivo Sartori, Ana Amélia Lemos e Tarso Genro. Basta tuitá-la, usando o formulário abaixo.