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O especialista em inteligência André Luís Woloszyn, que já integrou os quadros da antiga SAE (atual Abin, a Agência Brasileira de Inteligência), especializou-se em terrorismo internacional na Escola Superior de Guerra (ESG) e dá consultoria para o próprio governo e para o Congresso. Afastado das obrigações formais de quem integra a inteligência, Woloszyn fica à vontade para indicar eventuais problemas e recomendar cuidados. No caso específico do atentado em Nice, ele faz um alerta: os serviços de segurança brasileiros estão centrados no Rio de Janeiro. Caso ocorra algum tipo de atentado, sendo no Rio ou em outra cidade do país, "as manchetes dos jornais dirão que foi nas Olimpíadas". Em razão da alta conflagração política brasileira e de outros elementos, o analista de assuntos estratégicos, que integra o núcleo de estudos de segurança da Fundação Escola de de Sociologia e Política de São Paulo, considera preocupante a situação. Leia entrevista concedida a Zero Hora na tarde desta sexta-feira:
As Olimpíadas ocorrem no Rio, mas o Brasil tem outras cidades importantes, assim como a França não é apenas Paris. É importante haver cuidados especiais também em outros locais?
Sim. As Olimpíadas estão centralizadas no Rio, mas há jogos em outras cidades. Preocupa-me muito a excessiva centralização da segurança. No Brasil, temos um clima propício ao terrorismo, em razão dos enfrentamentos internos. Há ainda insatisfação nas polícias, perspectivas de movimentos sociais contra o impeachment, gente a favor do impeachment. Muito confronto. E, com tudo isso, temos efetivos não familiarizados com o terrorismo. Claro que há perigo de que ocorra algo parecido com os ataques contra o Charlie Hebdo ou o de Nice. O que descarto é um ataque pelo espaço aéreo ou por via ferroviária.
Temos um país conflagrado, um momento internacional tenso, com atentados terroristas, e ainda um grande evento de repercussão internacional. Esse conjunto é preocupante?
São um coquetel de combustão. É como o triângulo do fogo (combustível, oxigênio e o calor). Temos um conjunto de fatores que aumentam consideravelmente o risco de um atentado no Brasil. E veja bem: o Estado Islâmico tem site em português, eles recrutam por idealização política. E há um considerável número de brasileiros radicalizados e se convertendo ao islamismo. A inteligência brasileira tem a informação de que, na principal mesquita de São Paulo, há 30 conversões por dia. Também temos a informação de que há, no Brasil, pessoas envolvidas em ações terroristas ou em redes terroristas no sul da África, Ásia e Oriente Médio.
A conversão não significa que a pessoa se tornará extremista. Qual a preocupação?
Claro, não necessariamente será alguém radicalizado, mas a possibilidade de cooptação desses grupos é maior entre os convertidos, até porque eles não aceitam infiéis. A conversão é o primeiro passo.
O EI está mais atuante fora do Oriente Médio?
Sim, porque perdeu 50% do território na Síria, e isso intensifica o processo de recrutamento.
Como o Brasil tem lidado com esse tema delicado?
Há erros de avaliação. Ainda não se sabe lidar com isso. O Brasil precisa definir o que é terrorismo para nós. Outra coisa: temos feito treinamentos de espaço aéreo, metrôs e trens, e isso está fora de questão. O Brasil se prepara para um ataque como o 11 de setembro, mas isso não existe mais. Deveríamos nos concentrar na figura do lobo solitário e cuidar o que ocorre em todo o país. Se houver um atentado em lugar que não seja o Rio, as manchetes no mundo serão de que houve um atentado nas Olimpíadas, que são no Brasil.
Recentemente, tornou-se público um cartaz em que se pede ao público para avisar caso veja alguém usando roupas, mochilas e bolsas destoantes das circunstâncias e do clima. Qual sua opinião sobre isso?
Esse cartaz me preocupou, me apavorou. Em primeiro lugar, os terroristas não têm hoje perfil identificável. O terrorista pode ser um brasileiro como qualquer outro. E quem não usa mochila para viajar? E quem usa turbante? Na minha opinião, é temerária a tentativa de atribuir um perfil, seja baseado na aparência ou por um estado psicológico. Isso pode acarretar erros de avaliação de parte das forças de segurança e, consequentemente, a vitimização de pessoas inocentes, uma vez que tais forças não estão familiarizadas no tratamento de situações críticas como essa. Não podemos deixar de levar em consideração que num ambiente onde estão concentrados grupos multiculturais, e face à novidade de estarem em um país diferente, é natural que suas roupas sejam destoantes, assim como nervosismo para chegarem ao local e se acomodarem. No caso de mochilas ou bolsas, trata-se de um utensílio já incorporado mundialmente na vestimenta de turistas. A característica principal dos terroristas na atualidade é o fato de estarem inseridos no ambiente urbano e transitarem neste com naturalidade. Não há um biotipo ou perfil identificável, em especial, tratando-se de radicais autóctones. Podemos perceber alguma suposta intenção por meio de gestos, atitudes e diálogos, desde que a pessoa ou as pessoas estejam sendo monitoradas por algum tempo, onde será analisado o conjunto de suas atitudes e não um comportamento pontual.
Nice nos traz alguma lição?
Sim. Vimos que qualquer instrumento cotidiano pode servir ao terror. Agora, foi um caminhão. Talvez, depois disso, aumentem o perímetro onde não podem circular veículos. E é importante lembrar que as manchetes dizem ser mais um atentado na França. Não foi em Paris. Foi em Nice. As Olimpíadas serão no Rio e no Brasil.