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Muitas diferenças há entre a Operação Mãos Limpas, na Itália, e a Lava-Jato no Brasil. Também semelhanças. Mas o certo é que a Mãos Limpas influenciou o juiz brasileiro Sergio Moro a se dedicar com afinco no combate à corrupção sistêmica na política nacional. Não por acaso, em livro que está sendo lançado, Moro faz a apresentação. Um dos autores de Operação Mãos Limpas – A verdade sobre a operação italiana que inspirou a Lava-Jato (Editora Citadel, 896 páginas), Gianni Barbacetto esteve em Buenos Aires e conversou com Zero Hora. Ao ser perguntado sobre Moro, disse que o magistrado brasileiro fez o prefácio por ter estudado a Mãos Limpas e ser entendido no tema.
Em entrevista ao colunista de ZH David Coimbra, em 21 de setembro, Moro havia dito que existem "pontos de similaridade" entre as operações.
– Itália e Brasil são democracias relativamente recentes. Nos dois países, pode-se dizer que houve o que se chama de corrupção sistêmica. Pelos casos que já analisamos, e falo apenas sobre os casos já analisados, posso dizer que talvez exista a mesma situação de prática recorrente de corrupção nos contratos públicos – disse Moro.
Barbacetto, que divide a autoria do livro com Peter Gomez e Marco Travaglio, indica uma grande diferença entre as duas operações: o fato de a Lava-Jato ainda não ter se expandido como a Mãos Limpas, que provocou o fim de uma etapa em todo o sistema político e o advento do que os italianos chamam de Segunda República.
– Na Itália, após o Mãos Limpas desapareceram cinco partidos do governo, e um partido de oposição mudou de nome e de programa – comenta Barbacetto, que mostra uma ponta de frustração ao comentar que os novos partidos são "reciclados" e ao falar do Brasil:
– Parece-me que desde o início o sistema continua como antes e será apenas Lula a pagar.
O jornalista italiano conta que o desaparecimento de diversos partidos no seu país ocorreu porque o eleitor, ao saber da corrupção sistêmica, deixou de votar nas antigas siglas. Com isso, novas surgiram. Leia a entrevista.
O fato de o juiz Sergio Moro fazer o prefácio do seu livro indica que a operação Mãos Limpas é semelhante à Lava-Jato?
Conheço e estudei a situação italiana, mas sei muito pouco da situação brasileira para fazer julgamentos sobre a Lava-Jato. O que é certo é que, em ambas as situações, se manifesta um sistema muito articulado e complexo de corrupção. O juiz Moro, antes de se encarregar da Lava-Jato, estudou a Mãos Limpas italiana.
Na Operação Mãos Limpas, o começo das investigações se deu em Milão e se expandiu, com efeito sistêmico. O senhor vê essa possibilidade no Brasil?
Na Itália, o sistema foi descoberto em Milão, mas era nacional e, portanto, o "contágio" foi natural em toda a Itália. Não sei o que poderá acontecer no Brasil, mas também no Brasil, no entanto, o sistema de corrupção parece nacional, sistêmico, e não constituído por episódios individuais não relacionados entre si.
O senhor acredita que a Operação Lava-Jato provocará uma nova era na política brasileira?
Isso não depende do Poder Judiciário, mas da política. Os magistrados podem agir sobre os crimes que são descobertos, mas devem ser os políticos, se quiserem e se conseguirem, a criar um novo sistema político limpo e incorruptível. É preciso, no entanto, que a nova política realmente não tenha compromisso com o sistema anterior.
Na Itália, todos os partidos da época foram atingidos – a maioria até mesmo deixou de existir. No Brasil, aparentemente, o partido afetado, em termos de imagem, é só o PT. Por que isso está ocorrendo?
Na Itália, após a Mãos Limpas, desapareceram cinco partidos do governo, e um partido de oposição mudou de nome e de programa. Isso aconteceu porque os cidadãos, depois que souberam da corrupção através das investigações conduzidas pelos magistrados, não quiseram mais votar nesses partidos. Isso levou ao surgimento de novos partidos e mudou todo o sistema político, nasceu naquele momento na Itália o que se denomina a "Segunda República". Na realidade, em seguida, descobrimos que os novos partidos nada mais eram do que os velhos reciclados. Apesar de saber pouco sobre a situação brasileira, estou surpreso que apareçam acusações só contra o PT e seu líder Lula, porque parece-me que todo o sistema está envolvido pela corrupção.
Na Itália, caiu todo o sistema. No Brasil, o vice-presidente assumiu no lugar da presidente, com a qual havia sido reeleito. Em termos políticos, não parece que o Brasil precisa avançar?
O Judiciário na Itália só descobriu o sistema de corrupção. São os meios de comunicação que devem informar corretamente, de modo que os cidadãos bem informados possam, com o seu voto, atribuir as consequências. A política deve ser renovada, caso contrário se muda a aparência mas continua tudo como era antes.
O PMDB, partido do vice que sucedeu a presidente, se envolveu nos episódios de corrupção. Isso não marca uma diferença em relação ao caso italiano?
Sim, na Itália houve, após a Mãos Limpas, uma mudança total do sistema político. Só depois percebemos que a mudança era apenas aparente e que a vitória de Berlusconi (que até então era um "novo" político), na verdade, garantiu uma certa continuidade do sistema anterior. No Brasil, porém, parece-me que desde o início o sistema continua como antes e será apenas Lula a pagar.