
A queda de Aleppo, anunciada nesta quinta-feira, marca a vitória da "força bruta" da aliança entre regimes autoritários sobre os países ocidentais, que optaram por ficar à margem, dando as costas às reivindicações democráticas de milhões de pessoas.
Combatentes "liquidados" e zonas "limpas" são as palavras empregadas pelo regime em Damasco e seu aliado russo, e resumem a estratégia utilizada para reconquistar a ex-capital econômica da Síria, que caiu levando milhares de vítimas, deslocamentos em massa e destruição sem precedentes.
A queda de Aleppo não marca o fim da guerra na Síria, mas é um ponto de inflexão maior após quase seis anos de conflito.
Leia mais
Mais de 4 mil rebeldes são retirados de Aleppo nas últimas horas
Sob a neve, últimos moradores da zona rebelde de Aleppo aguardam retirada
Exército sírio pede que últimos rebeldes abandonem Aleppo
A vitória garante, ao menos a médio prazo, a permanência no poder do presidente sírio, Bashar al-Assad, e consagra uma nova aliança de vencedores - Rússia, Irã e Turquia - diante dos países ocidentais e da potências regionais relegadas ao papel de simples espectadores.
– A primeira lição é que a força e a abstenção têm um custo – assinala Bruno Tertrais, diretor da Fundação de Pesquisa Estratégica.
– O envolvimento em massa de Rússia e Irã, que significou um giro maior nesta guerra no verão de 2015 foi a força, e a não intervenção americana, em 2013 é a abstenção – afirma Tertrais.
Em 2013, o presidente americano, Barack Obama, renunciou a bombardear a Síria após acusações de que o regime de Al-Assad havia utilizado armas químicas em um subúrbio de Damasco.
– A partir de então, tudo estava dito – avaliou um especialista francês.
No mesmo ano de 2013, os combatentes do movimento xiita libanês Hezbollah, apoiados por Teerã, entraram na guerra síria para apoiar Al-Assad. O envolvimento militar do Irã e das milícias xiitas estrangeiras aumentaram progressivamente nos anos seguintes.
Na ocasião, os países ocidentais (liderados pelos EUA), as monarquias do Golfo e a Turquia exigiam que Al-Assad entregasse o poder e apoiavam os rebeldes sírios.
Intervenção russa para salvar Assad
Dois anos mais tarde, diante de um regime sírio debilitado, Moscou agiu pesadamente para salvar seu aliado e esmagar a oposição, qualificada de "terrorista".
– Com a intervenção russa, tudo terminou, soubemos que não poderíamos fazer mais nada – assinala o especialista francês.
– O fracasso da revolução síria não era inevitável – opinou Tertrais, que destaca a "falta de disposição" dos países que apoiavam a rebelião.
O conflito sírio começou em março de 2011 com uma revolta pacífica e popular na qual se exigia "uma Síria sem tirania", mas este movimento desapareceu em poucos meses, diante da repressão feroz do regime, da militarização dos rebeldes e da intervenção de potências estrangeiras.
Com a ascensão do grupo jihadista Estado Islâmico, as aspirações democráticas dos sírios passaram ao segundo plano para os países ocidentais.
– A Síria se resume na confrontação entre duas barbáries – o regime de Al-Assad e o EI, disse à AFP o editor e presidente da associação Suria Huria Faruk Mardam-Bey. – O povo pensa que é melhor escolher a barbárie de gravata, que fala inglês e cuja mulher não usa véu.
Moscou, Teerã, Damasco e Ancara são os grandes vencedores deste conflito, assinalou um diplomata europeu.
Mas os interesses destes países não são os mesmos, destacam vários especialistas.
Entre Assad, que pretende reconquistar todo o país, Rússia, que se conformaria com uma "Síria útil", Turquia, preocupada especialmente em proteger sua fronteira norte, e Irã, que busca reforçar sua posição no cenário internacional, os interesses podem se chocar em breve.
*AFP