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Circular pelas ruas estreitas de Anápolis, município goiano a 130 quilômetros de Brasília, é transitar pelas sombras de Carlinhos Cachoeira. Nas esquinas, nas praças ou nos cafés, os moradores comentam a derrocada do bicheiro que recebia celebridades em sua chácara e agora é alçado à condição de vilão.
Cachoeira jamais foi visto como bandido em sua terra natal. Os mais antigos lembram do garoto que, nos anos 1970, cruzava as ruas empoeiradas da Vila Góis em uma bicicleta para recolher as apostas de jogo do bicho para o pai, Tião Cachoeira. O moleque cresceu, assumiu os negócios da família e transformou a jogatina em um império da contravenção.
Estima-se que Cachoeira tinha 5 mil funcionários em sua rede de jogo ilegal, no bicho, em caça-níqueis ou vídeo-bingo. Era um dos maiores empregadores individuais da cidade e até hoje é considerado um benemérito pelos anapolinos, embora ninguém queira se identificar ao falar sobre o contraventor. Mesmo em meio ao vendaval de denúncias, mais de 600 pessoas foram ao enterro da mãe dele, há duas semanas, incluindo políticos e autoridades locais.
- Ninguém fala mal dele. Sempre foi simples, ajudava todo mundo, mas não era um Robin Hood - diz um servidor da prefeitura.
Ambicioso, Cachoeira ignorava limites. Quando assumiu a banca do pai, Anápolis tinha três grandes bicheiros. Em seis meses, ele destronou os rivais. A jogatina, contudo, era baseada em apostas de baixo valor e tinha apenas dois sorteios por dia. Cachoeira queria mais. Seu primeiro grande salto se deu em 1995, quando conseguiu a concessão para explorar a loteria de Goiás.
Em seguida, Cachoeira viajou a Las Vegas. Seduzido pela promessa de ganho fácil nos caça-níqueis da meca mundial do jogo, importou máquinas de Taiwan. A partir de 1998, quase todos os botecos de Anápolis abrigavam caça-níqueis, atraindo a classe operária local. Com comissão que variava de 10% a 15% dos jogos, os donos de bar tinham mais lucro com as apostas do que com a venda de bebida ou lanches. Em pouco tempo, Cachoeira tinha 20 mil máquinas espalhadas por Goiás e um faturamento diário calculado pela Polícia Federal de R$ 250 mil.
- A gente ganhou dinheiro como nunca. Cansei de ver mesas abarrotadas de dinheiro - comenta um ex-funcionário do bicheiro.
Agora rico e influente, Cachoeira nunca mais se deixou flagrar manuseando qualquer tipo de jogo ilegal. Colocou irmãos e homens de confiança para gerenciar as atividades ilícitas, subornando policiais para garantir proteção e fechar as casas de jogos concorrentes.
Com o crescimento dos negócios, Cachoeira passou a se concentrar nas altas esferas do poder. Se aproximou de políticos e empresários. Ao se casar com a primeira mulher, Andréia Aprígio, entrou para a grã-finagem goiana. Comprou um laboratório de medicamentos, uma fazenda no Pantanal e abriu empresas para dar uma fachada de legalidade aos seus empreendimentos.
Em Anápolis, circulava em carros de luxo, promovia pescarias e peladas em sua chácara, frequentadas por cantores sertanejos, como Leonardo e Daniel, e por jogadores de futebol profissionais. Na casa da família, na Vila Góis, ainda hoje um porta-retrato mostra uma foto da mãe do bicheiro abraçada a Leonardo.
A ambição de criar uma Las Vegas
Em sua estratégia expansionista, Cachoeira passou a disputar concessões para explorar loterias estaduais. Venceu licitações no Paraná e no Rio Grande do Sul e financiou campanhas políticas, mas tropeçou em sua própria rede de arapongagens. Em 2004, ele divulgou um vídeo no qual o então assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz pedia propina para acelerar a concessão da loteria fluminense. Como resposta, o presidente Lula editou uma medida provisória proibindo os bingos e caça-níqueis no Brasil.
Apesar do revés, Cachoeira não esmoreceu. Continuou agindo no submundo da política, confiante na aprovação de uma lei que legalizasse o jogo no país. Sua ambição era transformar a cidade goiana de Caldas Novas, famosa pelas piscinas vulcânicas de águas termais, em uma Las Vegas brasileira.