
Pripyat, Ucrânia - A natureza cumpriu seu papel implacável. O principal estádio agora é uma floresta de futebol. Bétulas e álamos encheram o campo, rasgaram o asfalto da pista de corrida, bloquearam a entrada das arquibancadas. O musgo cresceu nas rachaduras dos pisos de concreto e brotou nos assentos de madeira podres.
A pouco mais de três quilômetros dali, o reator número quatro da usina nuclear de Chernobyl explodiu no dia 26 de abril de 1986. Os 50.000 trabalhadores e suas famílias, que viviam na cidade, foram evacuados de ônibus e nunca mais voltaram. Os prédios de apartamento de Pripyat se tornaram um deserto urbano. As traves do campo de futebol da escola número 1 estão escondidas em meio a árvores, próximas a um caminho coberto de folhas e de pegadas frescas de animais.
- A final da Eurocopa vai ser jogada aqui, para ver qual time é o mais forte - afirmou Maxim Orel, guia turístico do Chernobylinterinform, um departamento do Ministério de Emergência da Ucrânia, brincando a respeito do estádio abandonado. - Os vencedores se tornarão mutantes.
A final verdadeira do campeonato europeu será jogada duas horas ao sul, em Kiev, no dia primeiro de julho. Mas, durante o campeonato, Chernobyl está atraindo muitos fãs do turismo a lugares sinistros, vestindo as camisas e cachecóis de seus times, além de um entusiasmo cauteloso. E, um quarto de século depois do acidente, o vazamento radioativo está sendo acusado de intoxicar uma estrela do futebol búlgaro.
Direta ou indiretamente, o desastre tocou as vidas de diversos atletas famosos, assim como a de milhões de outras pessoas, incluindo a estrela do futebol ucraniano Andriy Shevchenko; os irmãos ucranianos que dividem o título de campeões mundiais de boxe peso pesado, Vitali e Wladimir Klitschko; e a ex-campeã soviética de ginástica olímpica, Olga Korbut.
- Logo após o fim da União Soviética, as pessoas não sabiam se a Ucrânia era uma cidade ou um país - afirmou Wladimir Klitschko, cujo pai foi um socorrista militar durante o desastre. - A melhor maneira de explicar era dizendo: 'Nós somos os filhos de Chernobyl'. Nós perdemos nosso pai, Chernobyl fez parte de nossa vida. E, infelizmente, faz parte das vidas de muitas pessoas.
Os visitantes pagam cerca de 200 dólares por um passeio no raio de 30 quilômetros da zona de exclusão de Chernobyl, onde o risco à saúde é considerado muito baixo para quem faz visitas curtas. Eles caminham pelo esburacado e superdimensionado Bulevar Lenin, em Pripyat. Param na praça em frente ao Hotel Polissia, onde podem avistar cobras escondidas em meio à grama, sapos tomando sol sobre pedras em um lago, um pato de brinquedo abandonado.
Em outros locais, se olharem com atenção, podem avistar raposas, cervos, coelhos e javalis. Os principais sons são os do vento, dos pássaros e da ausência. Mosquitos se agrupam em nuvens invisíveis.
Stiliyan Petrov, de 32 anos, não estava nas proximidades quando o reator número 4 explodiu. Ele era um menino de 6 anos na Bulgária, mais de 965 quilômetros ao sul. Ele se tornou uma estrela do futebol, o capitão do Aston Villa na primeira divisão do futebol inglês.
Em março, Petrov recebeu um diagnóstico de leucemia aguda. O médico da seleção da Bulgária afirmou acreditar que a doença tenha sido causada pela exposição à radiação de Chernobyl e por uma falha do governo comunista, que na época não avisou seus cidadãos do perigo.
- Foi no fim da primavera, as pessoas estavam comendo verduras, legumes e outros alimentos radioativos - afirmou Mihael Iliev, o médico da seleção da Bulgária, que tratou Petrov por 14 anos, segundo o The Sun de Londres, em abril. - Muitas pessoas que ainda eram crianças na época foram vítimas de câncer por conta disso. Nós as chamamos de filhos de Chernobyl. A maior parte deles nasceu na mesma região que Stiliyan.
As consequências de Chernobyl à saúde não são tão precisas quanto o placar de uma partida de futebol.
A maior parte do vazamento nuclear atingiu a Ucrânia e as vizinhas Bielorrússia e Rússia, de acordo com os cientistas. As estimativas das mortes causadas pelo acidente nuclear variam entre 4.000 e centenas de milhares de pessoas. Pesquisas mais precisas se tornaram mais difíceis após o fim da União Soviética.
O câncer de tireoide é a doença mais comum entre as vítimas. As pesquisas não indicam qualquer relação com um aumento nos casos de leucemia nas áreas afetadas, afirmou Scott Davis, presidente do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Washington. Ele estudou Chernobyl por mais de 20 anos e fez mais de 80 viagens para a região.
- Não há como saber, de pessoa para pessoa, se o câncer foi causado pela radiação ou não - afirmou Davis, que também trabalha para o Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, que tratou diversas vítimas de Chernobyl.
Wladimir Klitschko tinha 10 anos na primavera de 1986, e vivia em um aeroporto militar em Kiev, como filho de um coronel da força aérea soviética. Ele se lembra de participar de treinamentos nas escolas, para o caso de os Estados Unidos lançarem um ataque nuclear:
- Escondam-se nas sombras, vão para o subterrâneo.
Então ele notou alguns homens vestindo roupas de proteção e veículos que eram borrifados com produtos químicos.
- Obviamente, algo muito terrível havia acontecido - afirmou Klitschko. - E eu sabia que, daquela vez, não eram os americanos.
Seu pai, que também se chamava Wladimir, avisou seus filhos para não fossem às ruas. Klitschko contou que ele e seus colegas de sala foram evacuados para o Mar Negro durante quatro meses, levando apenas as roupas do corpo.
Seu pai, segundo ele, voou de helicóptero sobre Chernobyl nos primeiros dias após o desastre, quando os socorristas tentavam desesperadamente conter o vazamento de radiação e fazer a limpeza da catástrofe radioativa. Esses trabalhadores eram chamados de liquidadores.
- Desde o princípio, o governo tentou encobrir a verdade e minimizar a situação - afirmou o Klitschko pai em um documentário lançado em 2011 sobre a carreira de seus filhos. - Nós tínhamos a impressão de que aquilo não era sério. Aqueles que puderam deixar Kiev aproveitaram a oportunidade, mas quando você é um soldado, precisa cumprir sua missão.
Em julho do ano passado, o velho Klitschko morreu de câncer.
- Foi tudo ao mesmo tempo, leucemia, linfoma e câncer no estômago - afirmou seu filho Wladimir. - Chegou até os ossos. O câncer consumiu basicamente tudo. Os médicos disseram que era culpa de Chernobyl.
Seu pai não guardou mágoas, segundo Klitschko.
- Ele estava contente por ter vivido mais que seus colegas.
Um mês antes do desastre, Andriy Shevchenko, que na época tinha nove anos, se juntou ao time de futebol do poderoso Dynamo Kiev, e se matriculou na escola de esportes. Após o fim do ano escolar, ele e seus colegas foram evacuados para o Mar de Azov, no sudeste da Ucrânia. Ele também era filho de militar, um mecânico do regimento soviético de tanques de guerra.
- Nós sabíamos mais ou menos o que havia acontecido - afirmou Shevchenko, que agora tem 35 anos. - Mas ninguém nos comunicou de imediato. Aquilo era um segredo.
Em 1986, haviam se passado 14 anos desde o desempenho hipnotizante de Olga Korbut nas Olimpíadas de Munique, em 1972, quando ela ganhou três medalhas de ouro e colocou um sorriso adolescente no estereótipo sombrio do comunismo.
Em 1991, Korbut se mudou da Bielorrússia para os Estados Unidos. Em parte, ela procurava uma oportunidade financeira. Mas ela também se preocupava com os riscos causados por Chernobyl à saúde de seu filho, que tinha 12 anos na época. Até 70 por cento de todo o vazamento nuclear se acumulou sobre um quarto do território da Bielorrússia, segundo a Organização das Nações Unidas.
- Eu tenho muito medo de comer, medo de viver - afirmou Korbut, que agora tem 57 anos, em uma entrevista dada na época.
Ela criou uma fundação e uma parceria com o Hutchinson Cancer Center, em Seattle. Ela afirmou que gastou seu próprio dinheiro e levou remédios para a tireoide até a Bielorrússia, mas foi desencorajada pela falta de interesse do governo local. Desde 1994, o país é controlado pelo autoritário presidente Alexander Lukashenko.
- O medicamento precisava ficar em uma geladeira, mas eles não encontraram uma - afirmou Korbut, que agora vive em Scottsdale, Arizona.
- Eles não se importavam. Lukashenko disse: 'Nós mesmos podemos cuidar disso'. Foi muito triste.
Mesmo hoje em dia, 26 anos depois, Korbut afirma que suas três irmãs que vivem na Bielorrússia se negam a falar sobre Chernobyl. Talvez elas tenham medo de Lukashenko, afirmou. Mas elas também são pobres, disse, e podem ter preocupações mais básicas.
A famigerada usina nuclear fica ao sul da fronteira com a Bielorrússia, mas Korbut nunca visitou o local que se transformou em uma máquina do tempo.
- Eu não quero ir até lá.
