Os papéis confirmam uma sequência de falhas e omissões que contribuíram para a tragédia na madrugada de 27 de janeiro, resultando em 241 mortes. A Kiss abriu ao público sem licença da prefeitura. Tinha apenas alvará dos bombeiros, baseado em um plano de prevenção e combate a incêndio simplificado e sem assinatura de responsável técnico - em desacordo com o que prevê a legislação.
Ao longo de oito meses, a boate funcionou irregularmente, sem Alvará de Localização - espécie de certidão de nascimento de um estabelecimento comercial. Neste período, fiscais da prefeitura recomendaram que a boate fechasse as portas. Em vez disso, porém, foram aplicadas multas (pelo menos quatro).
A seguir, acompanhe a cadeia de falhas que permitiram o funcionamento da Kiss:
ALVARÁ DE PREVENÇÃO CONTRA INCÊNCIO
- Mesmo a legislação exigindo um responsável técnico, um documento com referências genéricas, produzido por um software usado pelo Corpo de Bombeiros, serviu como Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI). Ele foi impresso no dia 26 de junho de 2009 no quartel de Santa Maria.

- Apesar da fragilidade das informações contidas no PPCI, o documentou serviu de base para concessão do primeiro alvará do Corpo de Bombeiros para a boate Kiss, expedido em agosto de 2009. Assinada pelo então major Daniel da Silva Adriano (hoje tenente-coronel da reserva), chefe do setor de Prevenção de Incêndio, a autorização tinha vigência até 28 de agosto de 2010.

- A boate Kiss começou a funcionar em 31 de julho de 2009. Ao longo de oito meses, a casa noturna permaneceu irregular porque dispunha apenas do alvará do Corpo dos Bombeiros. O Alvará de Localização só foi emitido pela prefeitura de Santa Maria em 14 de abril de 2010. Esta não seria o único momento que a boate funcionaria clandestinamente. De agosto de 2010 a 8 de agosto de 2011, a Kiss ficou sem alvará dos bombeiros. O documento, que atesta a segurança da casa, só foi renovado em 9 de agosto de 2011 pelo capitão Alex da Rocha Camillo, então chefe do setor de Prevenção de Incêndio. A Kiss permaneceria ainda quase meio ano à margem da lei. Quando se incendiou, em 27 de janeiro de 2013, estava cinco meses com o alvará dos bombeiros novamente vencido.

- Após a tragédia, a engenheira Jozy Maria Gaspar Enderle, proprietária da empresa Marca Engenharia, afirmou, em depoimento à Polícia Civil, ter elaborado um PPCI para a boate Kiss. Jozy revelou ter confeccionado o plano com base em uma planta baixa recebida de um dos primeiros donos e disse jamais ter acompanhado a execução das obras indicadas no plano. Segundo o depoimento da engenheira, ela foi procurada em abril de 2009.

NOTIFICAÇÃO E MULTAS DA PREFEITURA
- A boate Kiss, que iniciou as atividades sem o Alvará de Localização da prefeitura, foi notificada, em 1º de agosto de 2009, pela fiscal municipal Idianes Flores da Silva, para fechar as portas. Idianes emitiu a notificação 102, onde consta a seguinte recomendação: "cessar as atividades até a regularização junto ao município e apresentar alvará no prazo de cinco dias a contar da data da notificação".

- Em vez de fechar as portas da boate, porém, a prefeitura aplicou multas. Foram pelo menos quatro entre agosto e dezembro de 2009, período em que a Kiss funcionou normalmente.
A primeira multa
- Em 8 de setembro de 2009, a mesma fiscal Idianes Flores voltou a Kiss em 30 de agosto e constatou que a casa seguia de porta aberta e sem alvará. Em 8 de setembro de 2009, ela lavrou um auto de infração.

A segunda multa
- Um mês depois, em 7 de outubro, a casa voltou a ser multada. Seguia aberta mesmo sem o alvará de localização da prefeitura.

A terceira multa
- A terceira autuação foi feita em 27 de novembro de 2009, depois que fiscais constaram que a casa continuava aberta ao público, mesmo sem alvará, na o dia 10 de novembro.

A quarta multa
- Em 11 de dezembro de de 2009, após constatação do descumprimento da notificação de agosto. Mesmo assim, no dia seguinte, às 23h40min, o estabelecimento estava aberto

- O alvará de localização para a boate Kiss foi veio a se expedido pela prefeitura de Santa Maria em 14 de abril de 2010, ou seja, oito meses após ela abrir ao público. A casa poderia funcionar normalmente, sendo fiscalizada a cada ano por servidores municipais.

- Vistoria na boate Kiss, feita pela fiscalização da prefeitura em 19 de abril de 2012, registrou que o alvará de prevenção de incêndio estava prestes a vencer.
