
Os papéis que motivaram uma nova auditoria pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) para examinar o preço da passagem de ônibus em Porto Alegre indicam que a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) ainda tem muito o que explicar.
Confira a íntegra do documento do Ministério Público de Contas
Preparado pelo Ministério Público de Contas (MPC), com base em inspeção especial do tribunal, o documento sugere fragilidades e inconsistências em uma série de fatores que incidem sobre a tarifa - e contribuiu para a concessão de uma liminar pela Justiça determinando o rebaixamento no valor de R$ 3,05 para R$ 2,85.
Além de apontar que a verba de publicidade não entra no cálculo da tarifa, o texto conclui que 70% do arrecadado com os anúncios exibidos na traseira dos veículos fica com a agência de publicidade contratada para intermediar o negócio - uma margem de lucro pouco usual. Pelas regras vigentes, todo o montante deveria ser destinado ao pagamento do plano de saúde dos funcionários - e por isso não entraria no cálculo. Mas, segundo a inspeção realizada pelo TCE, apenas 30% das receitas de publicidade teriam servido a esse fim.
"O valor que permanece com a empresa e que deixa de ser repassado ao plano de saúde seria suficiente para a cobertura do 'déficit' indicado no referido demonstrativo sob o título de variação entre receita e despesa, que no exercício de 2011 totalizou R$ 957.720,92", diz o documento assinado pelo procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino.
Outro ponto a ser esclarecido é qual a real margem de lucro das empresas. De acordo com a EPTC, o lucro previsto nas planilhas de cálculo corresponde a 6,7% do valor da passagem. Mas a auditoria do TCE mostrou que a média em 2011 foi de 9,74%, com casos de empresas que obteriam até 19%. E o próprio presidente da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Enio dos Reis, afirma que a média incluída nos cálculos é de 12%.
Uma terceira área de sombra é o destino dos valores arrecadados pela EPTC sobre a tarifa. Lei municipal prevê que a empresa pública receba 3% do total da receita, com fins de gerir a Câmara de Compensação Tarifária. Só que, em 2011, somente 10,4% dos recursos recebidos foram destinados a essa atividade. Um excedente de R$ 16,7 milhões teria deixado de ser aplicado. No entender do MPC, o excedente revela que as receitas estariam sendo aplicadas "em desacordo com os preceptivos legais".
As respostas para esses e outros sete pontos questionados, como "inconsistências na cotação de insumos", devem ser conhecidas em três meses, quando será concluída a auditoria pelo TCE. Até lá, o impasse permanece, com diferentes versões sobre o cálculo.
Margem de lucro
O que dizem o MPC e o TCE: que a margem de lucro média das empresas é de 9,74% e há casos de empresas faturando até 19%, bem superior ao previsto na planilha tarifária.
O que diz a EPTC: o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, afirma que o valor é de 6,7%. Diz que os auditores do TCE fizeram um cálculo com base no resultado financeiro de cada empresa, mas que esse número precisa ser relativizado porque depois desse resultado é feito um remanejamento interno de recursos entre as empresas para compensar diferenças de percurso e garantir o "equilíbrio interno do sistema".
Sobre as declarações do presidente da ATP, Enio dos Reis, de que o valor seria de 12%, diz que "não sabe de onde ele tirou esses dados", sugerindo que talvez ele tenha somado o índice da margem de lucro com a depreciação da frota.
O que diz a ATP: o valor de referência usado no cálculo é de 12%.
Receitas de publicidade
O que dizem o MPC e o TCE: que somente 30% do arrecadado é destinado a cobrir o plano de saúde dos funcionários, enquanto o restante fica com a empresa licitada para fazer a publicidade.
O que diz a EPTC: Cappellari diz que foi aberta uma auditoria interna para analisar o destino das verbas de publicidade. Atualmente, o recurso não passa por dentro do sistema porque, segundo licitação realizada, deve custear o plano de saúde dos funcionários: "Pretendemos modificar isso, mas o jurídico está analisando porque a licitação foi realizada desta forma. Estamos avaliando o que é possível fazer".
O que diz a ATP: Enio dos Reis diz que toda a verba é destinada para o plano de saúde e que isso será demonstrado no decorrer do processo:
"Está tudo certo. O Ministério Público de Contas faz declarações midiáticas e está fazendo essa convulsão social".
Destino da arrecadação da tarifa pela EPTC
O que dizem o MPC e o TCE: só 10% do valor arrecadado pela EPTC cumpre o destino legal, de gerir a Câmara de Compensação Tarifária.
O que diz a EPTC: o valor é utilizado para gerir o sistema como um tudo, incluindo a manutenção de paradas de ônibus e abrigos. "A gestão compreende a gestão de todo o processo, é mais ampla do que só a gestão da Câmara", afirma Cappellari.
Variação de preços
O que dizem o MPC e o TCE: auditoria do TCE mostrou diferenças significativas entre os preços utilizados como base para o pagamento de despesas de combustível, pneus e lubrificantes, que incidem sobre a tarifa, em Porto Alegre e na Região Metropolitana. O estudo mostrou variação de 8,4% no litro do diesel, por exemplo. Enquanto, em Porto Alegre, o parâmetro referencial do preço do litro de óleo diesel no transporte urbano foi de R$1,99, em fevereiro de 2012, no metropolitano foi adotado o valor de R$1,836, em abril do mesmo ano.
O que diz a EPTC: a partir deste ano, o valor referencial passou a ser o da Associação Nacional de Petróleo, que é utilizado em todo o país. Até o ano passado, era utilizada uma pesquisa com tomadas de preços entre distribuidoras, o que pode explicar variações de preço.
"Há reclamações da ATP dizendo que o óleo diesel aqui é mais caro do que no restante do país, mas mesmo assim optamos por seguir a tabela da ANP", diz Cappellari.
A confusão dos R$ 2,60
Uma simulação realizada por auditores do Tribunal de Contas em 2012, questionando as bases de cálculo da tarifa de ônibus de Porto Alegre, virou bandeira de luta dos manifestantes, que pedem que a passagem seja reduzida para R$2,60.
Mas, segundo o TCE e o Ministério Público de Contas, a informação foi mal interpretada. O que a auditoria do TCE mostrou foi que, na época em que houve o reajuste para R$2,85, se fossem aplicados os critérios da auditoria, a tarifa teria sido de R$,2,60. Só que, como já se passou um ano e outros itens que incidem sobre o cálculo sofreram ajustes, o valor não pode ser automaticamente considerado agora. Por isso, uma nova auditoria foi aberta para examinar o preço de R$3,05.
Uma das irregularidades constatadas pela primeira auditoria, com base em dados de 2011 e 2012, era o uso da frota total de veículos no cálculo, em vez da frota operante, o que implicava um aumento no custo total. Por determinação do TCE, a prefeitura já mudou a forma de cálculo neste ano, considerando a frota total e, também, a desoneração das folhas de pagamento, determinada por uma nova lei federal.
Se esses critérios não tivessem sido considerados, a tarifa poderia ter sido reajustada para até R$ 3,37 neste ano, conforme o cálculo operacional da EPTC, em vez dos
R$ 3,05. O TCE segue analisando outros fatores que podem influenciar nas planilhas, mas ainda não há estudos conclusivos. Enquanto isso, o reajuste segue suspenso por decisão judicial.