
As dragas que sugam areia e veem o Guaíba como tesouro a ser explorado estão na mira da Polícia Federal. Durante a Operação Concutare, a PF descobriu que empresas mineradoras reservaram 219 áreas do estuário para pesquisa. É uma ação fundamental para transformar a região num garimpo de areia para abastecer a construção civil.
A extração de areia no Guaíba foi interditada em 2003, por meio de uma ação popular, pelos riscos trazidos ao equilíbrio ambiental. Foram cassadas as 21 licenças de exploração existentes. O argumento usado na ação judicial é de que a extração da areia no Guaíba vai revolver o lodo onde estão depositados metais pesados e outros produtos que há anos vêm sendo jogados no local, o que provocaria poluição.
Mas, apesar da proibição, os areeiros nunca desistiram de explorar o estuário. E, agora, conseguiram dar um passo decisivo para transformar o local numa mina a céu aberto.
Nas investigações, os policiais apontam que, graças ao uso de consultorias ambientais, uma das grandes empresas mineradoras do Estado conseguiu dobrar resistências em dois órgãos fiscalizadores: o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Isso aconteceu de forma rápida, após anos de espera.
Um servidor do DNPM, o engenheiro de minas Alberto Müller, e seu irmão, o consultor ambiental e geólogo Bruno Müller, são citados na apuração da PF. Ambos foram presos na segunda-feira. No decreto de prisão, a Justiça Federal assinalou, em relação aos dois: "Os investigados se propunham a interferir (...) para a liberação de extração de areia no Lago Guaíba e Lagoa dos Patos, onde a empresa tem cerca de 140 processos registrados no DNPM".
PF teme desmoronamentos nas barrancas de parque
O DNPM, órgão federal que licencia a exploração do subsolo brasileiro, autorizou 140 processos de pesquisa de mineração por parte de uma empresa mineradora na região entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos. Alberto Müller foi preso por, supostamente, receber propina para acelerar licenciamentos naquele órgão. Os policiais dizem que ele teria usado "laranjas para protocolar licenças de exploração de lavra no DNPM". Depois, ele teria revendido "essas licenças por valores milionários à empresas do ramo da mineração".
Uma outra empresa também requisitou 79 lotes, na confluência do Guaíba com a Lagoa dos Patos, para pesquisa. Bruno Müller atua como consultor em nome da mineradora junto ao DNPM. A polícia acredita que Alberto teria autorizado, entre outros, requerimentos encaminhados pela consultoria de seu irmão, Bruno.
O superintendente substituto do DNPM no Estado, Roberto Ferrari Borba, não nega que Alberto possa ter atuado em processos de requisição feitos pelo parente:
- Qualquer técnico do DNPM pode se ocupar de qualquer tarefa. Ele pode, ou não, ter tido participação nesses processos, o que não quer dizer que exista algum problema.
Chama a atenção que muitas áreas de pesquisa ficam em frente ao Parque de Itapuã, um santuário ecológico, área intocável e protegida por lei. A preocupação dos policiais é saber se a concessão de áreas próximas ao Itapuã pode provocar desmoronamentos nas barrancas do parque - como ocorreu com as margens do Rio Jacuí. Borba afirma que o DNPM está atento:
- Temos todas as áreas de preservação em nosso controle. Esses processos deverão passar pelo setor e, se estiverem em área proibitiva, por ser de preservação ambiental, será indeferido o requerimento.
*Colaboraram Carlos Wagner e Eduardo Nunes
CONTRAPONTO
O que diz o advogado José Abel Luiz, que defende os irmãos Alberto e Bruno Müller:
"O que a PF afirma sobre os irmãos é um absurdo. Primeiro, porque Alberto jamais usou a sua função no DNPM para beneficiar Bruno, que é um profissional reconhecido no mercado. Bruno tem como sócio na empresa o filho de Alberto, que também é profissional de nome. A afirmação de que este filho receberia dinheiro e repassaria para o seu pai é um absurdo."