
Uma fila de barracos de lona às margens da rodovia Passo Fundo-Lagoa Vermelha (BR-285) denuncia a tensão que um conflito agrário entre índios e agricultores acumula no Estado.
De um lado, indígenas vivem em acampamentos à espera de terra. Do outro, agricultores temem perder propriedades, reproduzindo um conflito que provoca polêmica em todo o país. Na manhã desta quinta-feira, representantes dos agricultores e o governo federal discutem em Brasília o processo de demarcações. O governador do Estado, Tarso Genro, estará no encontro.

Agricultores de Mato Castelhano, como João Caetano da Rosa Neto, temem perder propriedades para os índios - FOTO: Luis Iarcheski, especial
A luta por 3,5 mil hectares de terra em Mato Castelhano, no Norte, é o exemplo de um atrito que se repete em pelo menos outras 16 áreas entre índios e agricultores no Estado, conforme a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul). Com base em informações preliminares, a Procuradoria-Geral do Estado estima que indígenas reivindiquem 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas - o equivalente ao dobro do tamanho de Porto Alegre ou a 100 mil campos de futebol.
Segundo a Fetraf-Sul, isso representaria o desalojamento de pelo menos 10 mil famílias de agricultores. A Fundação Nacional do Índio (Funai) informa não dispor do número de indígenas que seriam beneficiados. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabiliza, no total, uma população de 32 mil índios no Estado. Esses novos 100 mil hectares praticamente dobrariam a área já regularizada ou em regulamentação, contabilizadas em 108 mil hectares pela Funai. No total, somariam mais de quatro vezes a dimensão da Capital.
Como resultado, os ânimos se acirram. Conforme o cacique Jonas Inacio, de Mato Castelhano, os índios planejam realizar protestos bloqueando a BR-285 se a demarcação da área pretendida não sair logo. Os agricultores já têm uma manifestação marcada para as 9h desta sexta-feira, também na BR-285. O produtor rural João Caetano da Rosa Neto, 34 anos, teme perder 60 hectares devido à demarcação das terras. A Funai já esteve na região fazendo um levantamento fundiário.
- É muito injusto. Teremos apenas 90 dias para preparar uma defesa de um estudo que eles fazem há quatro anos - desabafa Neto.
A poucos quilômetros dali, à margem de uma rodovia, cem indígenas acampam à espera de terras há oito anos.
- As crianças gostam de brincar e correr, mas aqui é muito perigoso - relata Vaneli Terezinha de Paula, 34 anos, que mora em um barraco com a filha Lianara, cinco anos.
Para o historiador Henrique Kujawa, que pesquisa conflitos agrários, a tensão instalada hoje é resultado de uma política instável. Na década de 1910, o governo criou as primeiras terras indígenas, mas as tomou depois, nas décadas de 1950 e 1960:
- Houve a redução de algumas áreas e a extinção de outras, como a da Serrinha, no Norte.
DISPUTAS POR ESPAÇO
Confira alguns dos recentes protestos e confrontos envolvendo a posse de territórios no país:
- 16 de abril
Centenas de índios fazem um protesto na Câmara contra a proposta de modificar as regras de criação de reservas indígenas, que transfere da União para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das áreas já homologadas.
- 18 de abril
Os indígenas voltam a protestar contra a mudança no processo de demarcação de terras. Um grupo de cerca de 200 pessoas cerca o Palácio do Planalto exigindo uma audiência com a presidente Dilma Rousseff. A presidente havia viajado para o Peru.
- 26 de abril
A ação de desocupação da área do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, gera protesto de indígenas e termina em confusão. Os índios ocupavam o local desde 2006, mas o prédio, onde funcionou o museu até os anos 70, foi incluído na lista de imóveis a serem demolidos para a reforma do Maracanã.
- 2 de maio
Índios invadem área da Usina Belo Monte, no Pará, para reclamar da construção de hidrelétricas na Amazônia e exigir a consulta prévia aos indígenas para realizar obras que os afetem. O governo federal divulgou nota dizendo que os manifestantes na verdade desejavam manter um garimpo irregular.