
O nome dele é Gadir. A idade, 27 anos. Mais do que isso, a respeito da sua identidade, ele não diz. Teme pela segurança daqueles que deixou na Síria ao partir para São Paulo como refugiado da guerra que já contabilizou 110 mil mortos e deslocou, do país árabe, 2 milhões de pessoas como ele.
- No final de 2011, fui preso, tive os olhos vendados e sofri torturas depois de ter participado de uma manifestação contra o regime de Bashar al-Assad - diz ele, que fala árabe, por intermédio do comerciante Amer Masarani, engenheiro solar de formação e integrante da Coordenação da Revolução Síria no Brasil.
Que torturas foram essas? Gadir diz ter levado chicotadas, chutes e choques elétricos. No momento de dor mais intensa, arrancaram-lhe as unhas de seis dedos - três em cada mão. Como os dedos infeccionaram, Gadir perde as unhas novamente assim que elas voltam a crescer.
No Brasil, o jovem sírio integra uma das quatro famílias que Masarani espalhou em casas pequenas alugadas por ele próprio no bairro do Brás e em Casa Verde, distrito paulistano. Para ganhar a vida, ele, seus familiares e outros compatriotas têm trabalhado intensamente. No fim de semana, por exemplo, participam de feiras livres, carregando caixotes, ajudando a vender produtos em troca de alguns tostões que lhes permitam começar a enfrentar a nova vida com as próprias pernas.
Masarani, que vive há 17 anos em São Paulo e tem loja de calças jeans no bairro Bom Retiro, conta que começou a formar uma rede de ajuda aos compatriotas quando foi procurado por seis deles, em apuros, dizendo não conseguir se estabelecer adequadamente. Hoje, diz conhecer boa parte dos mais de 250 sírios que trocaram o drama humanitário em seu país pela vida nova no Brasil.
- Eles estão espalhados por aí, cada um procurando o seu pão. Recebemos as pessoas e as ajudamos dentro do possível, com alimentação, remédios, moradia. Cuido de 25 pessoas. Cada um, na nossa comunidade, faz sua parte. Tem gente em São Paulo e Campinas. Abrigo quatro famílias inteiras. Cada família tem uma casa alugada, são casas pequenas, na Casa Verde e no Brás - relata ele.
Padre da Igreja Oriental
dá suporte a refugiados
Outro pilar na ajuda aos refugiados sírios que procuram acolhida brasileira é o padre Gabriel Dahho, da Igreja Ortodoxa Síria Santa Maria, que orienta os refugiados em seus primeiros dias, especialmente quanto à documentação necessária. Há 18 anos no Brasil, líder de um rebanho de cem católicos sírios em São Paulo, Dahho diz já ter ajudado 80 pessoas nos últimos dois anos.
- A maioria está se virando, com apartamentos alugados. São pessoas traumatizadas. Ficam em casas de parentes ou conhecidos, por um ou dois meses, até arranjarem algum trabalho. Eles vêm com visto de turismo e pedem refúgio - conta o padre. - A primeira ajuda que tenho para essa tarefa é de Deus. Temos ainda comerciantes que pagam convênio de saúde para crianças ou senhoras, pagam comida. Aqui na Igreja, fazemos campanhas para arrecadar doações a cada três ou quatro meses. Tudo começou quando passei a explicar a situação dessas pessoas para a minha comunidade.
Quando chegam ao Brasil, os refugiados sírios costumam dizer que têm medo da morte. Um pesadelo, como definem o conflito instalado no país no começo de 2011. Primeiro, foram os protestos pacíficos nas ruas. Em seguida, a repressão imposta pelo ditador Bashar al-Assad. Daí em diante, a violência. O uso de armas químicas levou o Ocidente a se posicionar para um ataque que muitos veem como o potencial estopim do que seria a sangria em progressão geométrica.
A expressão "pesadelo" é recorrente para uma mulher síria de 30 anos, católica proveniente da cidade de Aleppo, a quem o padre Dahho dá noções da língua portuguesa. Entre seus lamentos estão, evidentemente, as mortes que se sucedem, a depredação de lugares históricos com mais de 5 mil anos e a perda de referências humanas e geográficas - o distanciamento de pessoas e a destruição de lugares. Suas noites são maldormidas, pesadelos são reiterados, noite a noite, como capítulos de uma novela má. Sua imagem e seu nome são preservados pelo próprio padre. Motivo: ela teme pela vida de pais e irmãos que vivem por lá. Seu sonho é que a paz seja instaurada em solo sírio e que ela possa voltar ao antigo país. Como turista.