
Não foi acaso o fato de a exumação do ex-presidente João Goulart, o Jango, ter se estendido por 19 horas, enquanto as projeções iniciais dos peritos e da Secretaria dos Direitos Humanos indicassem a necessidade de oito horas para o término do procedimento.
O principal motivo do atraso, que gerou boatos, tensão e entrevistas de autoridades com declarações evasivas, foi a dificuldade da equipe de especialistas em encontrar o esquife de Jango, depositado em um mausoléu com nove caixões no cemitério Jardim da Paz, em São Borja.
Saiba mais
> No Twitter, Dilma diz que o dia é de encontro com a História
> Urna com restos mortais de Jango chega a Brasília
> VÍDEO: peritos quebram protocolo e posam para foto antes da exumação
> ESPECIAL: Como a exumação pode esclarecer a morte do ex-presidente
> Leia a entrevista da viúva de Jango, Maria Thereza Goulart, a ZH
A própria equipe de exumação iniciou os trabalhos nesta quarta-feira admitindo que não tinha certeza absoluta sobre a posição do caixão de Jango. Havia convicção de que ele estava ao lado direito da sepultura. A dúvida que persistia era se a gaveta dele era a segunda de cima para baixo ou a segunda de baixo para cima, em uma pilha de quatro. Depois de removido o tampão de mármore negro de 300 quilos do mausoléu, os 12 peritos - sete deles estrangeiros - depararam com uma realidade que os levaria a invadir a madrugada em plena atividade. Como não acharam a gaveta de Jango logo no início da operação, no local onde esperavam encontrá-lo, os profissionais acabaram perfurando a mureta de proteção de outras cinco gavetas. O mausoléu tem oito gavetas e nove corpos - um deles é de um menino, que está no mesmo espaço de um adulto.
Em vídeo, veja a movimentação em São Borja no dia histórico:
A abertura de orifícios nos tijolos é uma etapa da exumação. Depois de feita a circunferência, os peritos precisam obrigatoriamente utilizar os equipamentos de captação de gases que ajudam na identificação de substâncias nocivas à saúde. Esse procedimento se estende por pelo menos uma hora e pode ajudar a identificar ações de envenenamento. Como acreditavam que o caixão estava na direita, os peritos perfuraram todas as quatro paredes de tijolos das gavetas do lado direito. Depois da demorada coleta de gases, em cada gaveta usaram microcâmeras e scanners para fazer o reconhecimento dos caixões. Nenhum era o de Jango. Então, partiram para o lado esquerdo, onde teriam feito orifícios em mais duas paredes. Até que encontraram os restos mortais do ex-presidente.
Uma fonte envolvida com a alta organização e segurança do procedimento informou que a dificuldade em encontrar Jango se deu por motivos relacionados ao dia do enterro do ex-presidente, ocorrido em dezembro de 1976.
No dia do sepultamento, o corpo de Jango deveria ser colocado em uma gaveta do lado direito do mausoléu. Essa informação consta nos registros do cemitério Jardim da Paz, e são-borjenses próximos da família Goulart teriam confirmado essa posição aos peritos.
Ocorre que, após a saída das pessoas do funeral de Jango, os coveiros não conseguiram encaixar o seu caixão na gaveta prevista do lado direito. Não havia espaço. Por isso, fizeram a troca para o lado esquerdo, onde encontraram espaço adequado. Mas, nos registros oficiais, ficaram as informações equivocadas. Isso ocasionou a demora, com a procura no local errado e com a perda de tempo precioso na coleta de gases e identificação com câmera e scanner. A exumação, que começou às 7h50min de quarta-feira e deveria se estender até as 15h do mesmo dia, acabou se estendendo até pouco depois das 2h desta quinta-feira.
Outras duas fontes confirmaram a versão. Um assessor político e um prestador de serviços aos procedimentos de exumação relataram que várias muretas acabaram sendo perfuradas no decorrer das 19 exaustivas horas de trabalho dos peritos. O próprio público que se encontrava do lado de fora do cemitério também ouviu barulho de equipamentos durante a noite.
Os restos mortais de Jango seguiram no início da manhã desta quinta-feira para Brasília, onde houve recepção com honras de Estado e com a presença da presidente Dilma Rousseff e outras autoridades. Coletas serão feitas no corpo e um exame toxicológico deverá apontar se Jango sofreu infarto ou foi envenenado por agentes da Operação Condor. O retorno do corpo do ex-líder trabalhista para São Borja está prevista para ocorrer no dia 6 de dezembro, data da morte dele em Mercedes, na Argentina.
Restos mortais foram recebidos com honras de chefe de Estado em Brasília / Foto: Beto Nociti/Estadão Conteúdo

Veja imagens da exumação em São Borja: