
Com uma manobra baseada no regimento do Senado, o governo Dilma Rousseff conseguiu impedir a votação nesta quarta-feira do projeto que muda o indexador da dívida dos Estados. O texto volta a tramitar nas comissões, sem data para retornar ao plenário. A decisão frustrou o governador Tarso Genro, a bancada gaúcha e uma comitiva da Assembleia Legislativa, que se mobilizaram para pressionar pela votação.
Pelo segundo dia consecutivo, o Planalto despachou ministros para articular a derrubada da votação. Nesta quarta, foi a vez do titular da Fazenda, Guido Mantega, pedir para que a matéria não fosse votada. Em uma reunião com líderes dos partidos no Senado, governadores e deputados, o argumento de Mantega para sensibilizar os senadores foi de que mudanças nos cálculos das dívidas poderiam passar um sinal negativo para as agências internacionais que classificam o risco de investimentos no país.
Tarso - que desde terça-feira está em Brasília fazendo campanha pela aprovação do projeto - rebateu as afirmações do ministro mostrando que as mudanças de indexador não impactariam em nada os valores pagos pelos Estados à União no curto prazo.
A saída para não votar o projeto foi encontrada no regimento do Senado. Como a matéria recebeu emendas de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), senadores da base aliada passaram a argumentar que a proposição de mudanças no texto obrigaria que ele voltasse a ser discutido em duas comissões antes de ser discutido no plenário.



Randolfe ainda tentou apresentar requerimento para retirar as emendas que havia proposto, mas a base governista manteve a proposta de alterações no texto, em uma manobra que conseguiu adiar a votação sem que os senadores tivessem que assumir o saldo negativo de votar contra o novo cálculo das dívidas.
- O governo está usando a minha proposta, que tinha o objetivo de melhorar o projeto, para adiar a votação sem compromisso de que ele volte à discussão. Para atender os interesses do mercado, o governo deixa os Estados reféns da agiotagem desta dívida - reclamou Randolfe.
Relator do projeto, Luiz Henrique (PMDB-SC) entende que a manobra não foi ruim. Segundo ele, o tempo que será gasto para a reavaliação das propostas - cerca de um mês - será suficiente para costurar novo acordo entre governo federal e Estados.
O acordo original
- Em 1998, para sanear as contas do RS, a União assumiu a maior parte da dívida pública do Estado.
- O RS ficou obrigado a pagar R$ 7,9 bilhões em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI.
- Os repasses foram limitados a até 13% da receita. Quando o valor da parcela supera esse índice, é gerado um resíduo.
O problema
- Entre 1998 e 2012, o IGP-DI cresceu 247,7%, transformando o passivo em uma bola de neve.
- Como o valor das parcelas vinha superando os 13% da receita até agosto passado, um resíduo se acumulou.
- O resíduo é tão alto que praticamente se iguala ao estoque da dívida. Ele terá de ser pago a partir do fim do contrato.
A revisão
- Estados reivindicam há anos a renegociação do acordo de 1998.
- Em janeiro do ano passado, o governo federal decidiu apresentar um projeto de lei para amenizar o problema.
- O projeto deve ser aprovado na Câmara e no Senado para ser sancionado e entrar em vigor.
O que diz o projeto
- Altera o índice de correção da dívida do IGP-DI para o IPCA, que teve variação inferior nos últimos anos.
- Reduz os juros da dívida de 6% para 4% ao ano.
- Toda vez que a taxa Selic for menor que o IPCA mais 4%, será aplicada a Selic.
Como ficará na prática
- Em curto prazo, fica tudo igual, mas no longo prazo vai melhorar a situação das finanças estaduais.
- As alterações são a garantia de que o resíduo a ser pago a partir de 2028 cairá, no mínimo, pela metade.
- Isso será possível porque, com a mudança de indexador e a redução nos juros, o valor da parcela não deverá mais ultrapassar o limite de 13% da receita.
- Ou seja, o Estado deverá parar de acumular resíduo.
- Além disso, sobre o resíduo que já existe deixará de incidir o IGP-DI mais 6% e passará a incidir o IPCA mais 4%. Ou seja, o bolo vai crescer menos.
- Quanto ao estoque da dívida, isto é, o valor principal, não muda nada: a expectativa é de que em 2028 esteja quitado de qualquer maneira.