
"Estamos frente à confissão de um contumaz torturador." Esta foi a frase do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, para classificar a entrevista que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, gaúcho radicado em Brasília, concedeu a ZH.
Na conversa, o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador, que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Internet (DOI-Codi) de São Paulo entre 1970 e 1974, admitiu que houve excessos e que uma das técnicas utilizadas era a do "interrogatório contínuo", impedindo os presos de dormir.
Por e-mail, Krischke lembra que a Convenção de Genebra e a Organização das Nações Unidas (ONU) consideram a privação de sono "uma forma atroz de tortura". E destaca: "Privar o preso do sono, sem dúvida nenhuma, é uma forma de tortura sofisticada e cruel, pois não deixa marcas visíveis no corpo. Causa confusão mental, aumento ou diminuição da pressão sanguínea, prejuízo na capacidade de julgamento. (...) Assim, estamos frente a uma confissão de um contumaz torturador, segundo nos confirma sentença da Justiça Federal".
Na entrevista publicada na edição de domingo, Ustra também assumiu que usava o codinome de Doutor Tibiriçá e que, inclusive, participava dos interrogatórios de militantes presos pelo regime. Segundo o presidente do MJDH, é a primeira vez que o militar conta a origem do codinome, sempre citado por suas vítimas.
Para o coordenador da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva (em referência ao ex-deputado que foi torturado e morto pelo regime, em 1971), Ivan Seixas, Ustra produziu provas contra ele mesmo em suas declarações a ZH.
- As contradições do Ustra na entrevista o incriminam e vêm confirmar todas as denúncias que já foram feitas, inclusive a sentença que o declarou como sendo torturador - avaliou.
Aos 16 anos, Seixas conheceu os porões da ditadura, junto com seu pai, o metalúrgico Joaquim Alencar. Militantes do Movimento Revolucionário Tiradentes, eles estiveram preso no DOI-Codi de SP, quando o órgão estava sob o comando de Ustra, em 1971. Ivan diz que chegou a ser torturado por 48 horas, assim como o seu pai, que morreu em decorrência dos maus-tratos.
- Ustra comandou um dos maiores centros de tortura e extermínio do país. (...) Eles (torturadores) não poderiam ser anistiados. Quer crime de sangue maior do que torturar uma pessoa? Não existe.
Atriz reitera ter sido torturada no DOI-Codi
Citada por Ustra na entrevista, a atriz Bete Mendes disse que o militar foi "um dos mais eficientes agentes de prisão arbitrária e tortura". O coronel reformado do Exército nega que a torturou.
Na época da prisão, em 1970, Bete era estudante e militante da VAR-Palmares. Em nota, disse que chorou em seu depoimento "pelo sofrimento" da tortura. A atriz também lembrou como foi o episódio em que denunciou o então comandante do DOI-Codi como torturador - fato que levou o nome do militar às primeiras páginas de jornais do Brasil e do Exterior.
"Em 1985, ao acompanhar o presidente Sarney em viagem oficial ao Uruguai, tive o choque de encontrar com o entrevistado (Ustra) como adido militar. (...) Foi meu dever denunciar ao presidente Sarney e à nação brasileira esse torturador, que estava representando o Brasil - situação que considero inadmissível".
As acusações da atriz também são endossadas por ex-presos políticos, como Maria Amélia Teles. A família dela é a responsável pela ação em que Ustra foi declarado pela Justiça como torturador, em 2008. Em 2013, ao depor à Comissão da Verdade, a ex-militante do PC do B contou que seus filhos foram parar no DOI-Codi e a teriam visto sendo torturada.
ZH recebe leitores para debater sobre ditadura
Com a participação do jornalista e escritor Flávio Tavares e do músico Nei Lisboa, Zero Hora promove na noite desta terça-feira um debate sobre o regime militar. O encontro, que está marcado para as 19h, no StudioClio, em Porto Alegre, será conduzido pelo jornalista Rodrigo Lopes. Os ingressos estão esgotados.
O impacto da ditadura na Imprensa e na Cultura é o tema do evento, com destaque à experiência pessoal dos convidados - Tavares foi preso, torturado e exilado nos anos 1960 e 1970, enquanto Nei teve o irmão mais velho, Luiz Eurico Tejera Lisboa, desaparecido em 1972.
Durante o evento, o público também vai assistir à pré-estreia do documentário A resistência armada, que reconstrói a história do ataque ao Banco do Brasil de Viamão, em 18 de março de 1970. Também será apresentada uma série de imagens da passeata em Porto Alegre, em 1977, feita pelo fotógrafo de ZH Ricardo Chaves.
Com a Palavra é uma série de eventos que vai promover ao longo do ano a participação de jornalistas de Zero Hora, leitores e pensadores em campos como história, arte e ciências. A estreia integra a cobertura sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964, que terá, ainda, um caderno especial encartado na edição do próximo domingo.
Saiba mais
- Evento: Com a Palavra, série de eventos promovida por Zero Hora.
- Horário: nesta terça-feira, às 19h.
- Local: StudioClio, na Capital.