A suspeita de cartel na aquisição de 15 trens pela Trensurb para operação em Porto Alegre, ao custo de R$ 243,75 milhões, é investigada em um processo administrativo pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A licitação foi vencida pelo consórcio das empresas Alstom e CAF - citadas na suspeita de cartel do metrô em São Paulo em gestões do PSDB -, que também ganhou a concorrência para fornecer mais 10 unidades, por R$ 171,96 milhões, para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em Belo Horizonte.
Além do Rio Grande do Sul, a investigação do Cade apura suposta prática de cartel em licitações de trens e metrôs realizadas entre 1998 e 2013 em São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ao todo, 18 empresas e 109 funcionários teriam participado dos esquemas. Os contratos, somados, totalizam R$ 9,4 bilhões.
A apuração encontrou "fortes indícios" de acerto de preço para eliminar a competição na compra dos veículos pelo governo federal em Porto Alegre e Belo Horizonte. As duas licitações ocorreram entre outubro e novembro de 2012 e só tiveram propostas da francesa Alstom e da espanhola CAF, que revezaram o controle dos consórcios, batizados de FrotaPOA e FrotaBH.
Na Trensurb, conforme o Cade, a Alstom ficou com 93,14% do consórcio e a CAF 6,86%, percentual invertido na CBTU, o que é considerado pela investigação um dos indícios de cartel. "Os supostos ajustes anticompetitivos ocorridos no âmbito desses projetos teriam tido o objetivo de eliminar a disputa e dividir as duas licitações entre as empresas Alstom e CAF", cita o inquérito administrativo.
Para justificar a suspeita, o Cade reproduz trecho de e-mail trocado entre o alto escalão das duas empresas. Em 6 de novembro de 2012, uma semana antes do desfecho das licitações, Agenor Marinho, membro da diretoria da CAF, comunica Luiz Fernando Ferrari, da Alstom, sobre a divisão do consórcio: "Acreditamos que, assim, tenhamos chegado ao valor possível para ambas as empresas, o que nos permitirá assinar o acordo".
O inquérito ainda reproduz outra conversa, também de 6 de novembro e escrita em inglês, entre executivos da Alstom, que cogitam disputar as licitações sozinhos. Um dos gestores, Marco Contin, alerta que uma disputa com a CAF seria prejudicial. "No momento, a informação que temos é de que nós não temos um competidor (apenas a CAF). No caso de decidirmos ir sozinhos, estou certo de que a CAF irá apresentar uma proposta e entraremos em uma guerra de preços que não é bom nem para nós, nem para eles".
Com a abertura do processo pelo Cade, empresas e funcionários serão intimados a apresentar defesa. Após, a Superintendência-Geral do órgão de defesa poderá arquivar ou condenar os envolvidos, além de remeter o caso para tribunal administrativo. A prática de cartel pode impor multa às empresas de até 20% de seus faturamentos.
O que está em jogo
Entenda quais licitações estão sob suspeita do Cade
Belo Horizonte - CBTU
- 10 trens
- R$ 171,96 milhões
- Consórcio FrotaBH
- CAF (93,14%) e Alstom (6,86%)
Porto Alegre - Trensurb
- 15 trens
- R$ 243,75 milhões
- Consórcio FrotaPOA
- Alstom (93,14%) e CAF (6,86%)
Fonte: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
Os trens de Porto Alegre
- Os 15 novos trens são compostos por quatro carros cada um. Os veículos contam com sistema de ar condicionado automatizado, passagem entre os carros, 32 monitores de TV e terão gasto energético de 20% a 30% inferior aos atuais.
- Parte dos trens são é fabricada pela CAF, na Espanha, e o restante do equipamento pela Alstom, em São Paulo.
- A entrega do primeiro trem está prevista para maio. Depois, até janeiro de 2015, devem ser liberados dois trens por mês. A operação comercial do primeiro veículo deve começar em setembro, após testes.
Contrapontos
O que diz a Trensurb
"Os gestores da Trensurb desconhecem a prática de ilegalidade na licitação de aquisição dos novos trens".
O que diz a CBTU
"A CBTU esclarece que não foi notificada oficialmente sobre a decisão do Cade, tendo tomado conhecimento através das matérias publicadas pela imprensa, e que desconhece qualquer prática de irregularidade por parte das empresas que participaram da licitação deflagrada no âmbito da CBTU".
O que diz a Alstom"A Alstom ainda não foi notificada da decisão do Cade e teve conhecimento do tema por meio da imprensa. A Alstom irá prestar os devidos esclarecimentos as autoridades assim que tiver acesso a todos os documentos do processo".
O que diz a CAF
Contada por Zero Hora, a empresa não se manifestou até às 20h30min desta quinta-feira.
