Geral

Comandante do motim

Saiba quem é Eduardo Cunha (PMDB), o rei do blocão da Câmara

Líder do PMDB comanda rebelião da base aliada por mais cargos no governo federal

Eduardo Cunha (C) comanda um grupo de parlamentares da base descontentes com o governo

Ele infernizou a semana de Dilma Rousseff. Enquanto a presidente tentava evitar o confronto direto - dizendo que o PMDB só dá "alegrias" ao governo -, o líder da legenda na Câmara conduzia um bloco de aliados insatisfeitos que impôs derrotas constrangedoras ao Planalto. Eduardo Cunha (RJ) se tornou o homem capaz de balançar a aliança entre peemedebistas e petistas.

Foi no segundo mandato de Lula que Eduardo Cunha deixou o ostracismo na Câmara e mostrou pela primeira vez suas armas prediletas: chantagem e votos no Congresso.

Àquela altura, já nas hostes no PMDB, Cunha comandava uma bancada informal do tamanho de um partido nanico com assento na Esplanada. Pequeno, mas suficiente para ajudar o PT na CPI do Apagão Aéreo e, logo depois, emparedá-lo na discussão sobre o fim da CPMF. Antigo aliado do casal Anthony e Rosinha Garotinho no Rio de Janeiro, Cunha passou a agir de forma independente, tratando de seus próprios interesses.

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Emplacou um aliado na estatal elétrica de Furnas e, na eleição de Dilma Rousseff, foi decisivo ao estancar a perda de votos entre os evangélicos por conta de boatos que vinculavam a petista à legalização do casamento gay e do aborto. Com o pastor Abner Ferreira, Cunha, que é da igreja Sara Nossa Terra, percorreu templos da Assembleia de Deus, denominação com o maior número de fiéis no país, orientando o voto em Dilma.

Cunha e Abner, que tem 260 mil seguidores no Twitter, são amigos, torcem juntos pelo Flamengo e, no episódio do beijo gay na novela Amor à Vida, manifestaram-se duramente nas redes sociais. "Não poderia deixar de expressar a minha repulsa pela cena da TV de beijo gay. Daqui a pouco vão colocar cenas de sexo gay", disparou Cunha.

Noves fora as discussões morais e religiosas - um discurso moldado para o seu eleitorado -, o fato é que Cunha se agigantou. É líder do PMDB e controla o blocão, grupo superior a 250 parlamentares insatisfeitos com o governo criado para atazanar Dilma em troca de vantagens. Cunha ganhou o respeito dos comandados pela capacidade incomum de estar 24 horas conectado - "Acooooorda!" é a primeira mensagem que envia no dia a correligionários com quem deseja falar. Chega cedo e sai tarde do Congresso, conhece os atalhos, domina o regimento e se move nos bastidores como ninguém.

Dilma ameaçou isolá-lo e recebeu resposta imediata. Em dois dias, o Congresso aprovou uma comissão externa para investigar suspeitas de propina na Petrobras e chamou 10 ministros para dar explicações em comissões da Casa. É hoje, sem dúvida, o deputado mais poderoso do Brasil.

Esse não é o primeiro embate no governo em que o peemedebista mostrou sua força. Na votação da MP dos Portos já havia assumido o papel de inimigo número 1 do governo ao impor uma emenda que garantia a renovação automática das concessões nos terminais portuários. Em jogo, interesses de gigantes do setor, entre elas a AMC Holding, do Grupo Libra, que controla o Porto de Santos e cujas operações são atribuídas ao banqueiro Daniel Dantas. A AMC doou dinheiro para a campanha do PMDB fluminense.

Quem assistiu à longa sessão lembra que Cunha entrava no plenário como um cardeal, seguido por um séquito. O Congresso paralisava, numa mistura de atenção e medo dos seus movimentos.

A próxima ameaça da tropa de Cunha é derrubar o marco civil da internet. O governo conseguiu ganhar tempo, mas foi preciso que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ligasse para o deputado ao perceber a queda de braço pendendo para a derrota de Dilma. Cardozo é um dos poucos ministros que Cunha respeita e com quem mantém diálogo - e, na segunda-feira, eles voltam a conversar. Dilma cedeu parcialmente às pressões nomeando Neri Geller para a Agricultura, nome de agrado dos peemedebistas. 

- Há muito tempo que não vejo tanta audácia em uma pessoa. É um líder absoluto - confessa um dos mais hábeis articuladores de Brasília, que na noite de quinta-feira deixava o Palácio do Jaburu, onde havia se reunido com Michel Temer para discutir os rumos da aliança entre PT e PMDB.

O vice-presidente e Cunha já foram mais próximos. Agora, as circunstâncias os afastaram. Embora as maiores apostas sejam de que a ameaça de ruptura entre PT e PMDB na convenção da sigla não prospere, a articulação de Cunha contamina as relações e prejudica a formação de palanques regionais.

Na última reunião da bancada, na terça-feira, havia parlamentares bem mais exaltados do que o líder do PMDB com o tratamento dispensado pelo Planalto, alguns pregando o rompimento imediato. Por incrível que pareça, Cunha atuou como bombeiro.

- Por enquanto, ele sabe dosar quando a corda está para arrebentar - revela um interlocutor do governo destacado para acalmar a fúria do líder peemedebista.

PMDB não pode virar o DEM, diz deputado

O que incomoda o blocão não é só o congelamento de emendas ou nomeações em ministérios. É o menosprezo de Dilma com a política miúda. A queixa é de que só o PT explora a máquina do governo federal, com informações privilegiadas até mesmo de eventos eleitoreiros como a entrega de maquinário e ônibus escolares nos rincões do país.

O temor dos partidos do blocão, sobretudo do PMDB, é ser engolidos nas próximas eleições pelos petistas em sua busca de uma bancada hegemônica. Se isso ocorrer, profetiza Cunha nas reuniões, o PMDB vai se transformar em algo análogo ao DEM, um satélite do PSDB. Antigo PFL, o DEM tem perdido espaço nos últimos anos, definha a cada eleição e não tem mais nenhum grande líder.

Foi com essa pregação que Eduardo Cunha uniu o PMDB, pelo menos na Câmara, nutrindo o sonho de presidir a Casa na próxima legislatura.

- Se ele fosse desmoralizado pelo governo, todos nós íamos nos ferrar - diz Osmar Terra (PMDB-RS), um dos tantos dissidentes que abraçaram a causa do líder.

Evangélico, Cunha tem aliados suspeitos de ligação com milícia

Ao mesmo tempo em que discute a crise de energia ou faz críticas ao PIB, o líder do PMDB na Câmara Eduardo Cunha não se esquece da política no varejo - participa de cruzadas evangélicas e até de casamentos comunitários. Não à toa, foi o quinto deputado mais votado do Rio, com 150.616 votos colhidos em todos os 92 municípios fluminenses.

Antes de se eleger pela primeira vez pelo PPB (antigo PP) em 2002 e ganhar prestígio no Congresso, Cunha já dominava as entranhas da administração pública estadual. No governo Anthony Garotinho (1999-2002), foi presidente da Telerj e da Companhia Estadual de Habitação (Cehab). Ambos estão rompidos, e Cunha evita falar o nome do desafeto. Chama-o de garoto de recados da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Hoje, Cunha é próximo do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, ambos do PMDB.

A lista de aliados no Rio inclui figuras como os irmãos Brazão (o deputado estadual Domingos e o vereador Chiquinho), suspeitos de serem ligados a milícias. Um advogado lotado no gabinete do parlamentar chegou a ser preso, acusado de ser o braço jurídico de um grupo paramilitar que domina favelas. Domingos declarou 24 doações à campanha de Cunha, segundo a Justiça Eleitoral (total de R$ 63,2 mil). O dinheiro que vai, também retorna: Cunha doou

R$ 250 mil à campanha de Domingos.

Entre os doadores de Cunha, não há empreiteiras. A influência das construtoras é mascarada: o PMDB recebeu R$ 16 milhões delas, e doou a maior parte dos R$ 4,7 milhões que custaram a eleição de Cunha. O deputado defendeu os interesses delas na Lei Geral da Copa e emplacou o regime diferenciado de contratações (RDC), que permite uma licitação com menos amarras.

Outro aliado seu vai disputar a Presidência da República: o pastor Everaldo Pereira, do PST (um dos partidos do blocão), que, em algumas pesquisas, aparece com 3% dos votos.

Cunha é movediço. Transita entre figurões de Brasília com a mesma desenvoltura com que percorre subúrbios do Rio e da Baixada Fluminense, seus redutos eleitorais. Seu esporte predileto é destratar petistas. Os alvos vão do governador Tarso Genro, que o criticou por estar atrapalhando a votação do projeto da dívida dos Estados, ao presidente nacional da sigla, Rui Falcão.
Apesar dos embates, Cunha jamais perde o bom humor - principalmente quando se refere a protegidos de Dilma, como o secretário do Tesouro, Arno Augustin, que ganhou espaço como interlocutor da presidente na área econômica após a saída de Nelson Barbosa da secretaria executiva da Fazenda.

- Parece que trocaram uma Brastemp (Barbosa) por um Arno _ ironiza.

PERFIL

Nome: Eduardo Cosentino da Cunha

Idade:
55 anos

Formação:
economista e radialista

Cargos:
presidente da Telerj (1991-1993), subsecretário de Habitação do governo do Rio (1999) e presidente da Companhia Estadual de Habitação do Rio (1999-2000).

Mandatos: eleito deputado estadual suplente pelo PPB (antigo PP) em 1998, assume o cargo entre 2001 e 2002. Em seguida, conquista três mandatos de deputado federal (2003-2006), (2007-2010) e (2011-2014). Em 2003, troca o PP pelo PMDB.

Patrimônio: na última eleição, declarou bens no valor de R$ 1,47 milhão (entre salas, quotas da C3 Produções Artísticas e Jornalísticas e três carros, entre eles um Mitsubishi). É proprietário de rádios FM (Melodia) no RJ e SP.


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