
Um milhão de metros cúbicos já foram recolhidos à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Serraria desde 10 de março. Parece muito, mas as máquinas que transformarão o Guaíba em um manancial de água despoluída estão somente em teste.
O funcionamento pleno ainda levará anos - a previsão é de que a ETE Serraria atenderá a sua demanda máxima daqui 50 anos, quando a população de Porto Alegre tiver chegado a 2,1 milhões de pessoas (ante os atuais 1,4 milhão de habitantes). O Guaíba também não ficará limpo da noite para o dia: o processo começa oficialmente nesta sexta-feira, quando a presidente Dilma Rousseff estará na zona sul da Capital para inaugurar a estação e entregar à população as obras do Programa Integrado Socioambiental (Pisa). E durará décadas.
Na quinta-feira, um grupo de operários se esmerava para embelezar a ETE Serraria. Aparar a grama e pintar muros eram os últimos detalhes antes da inauguração da principal obra do Pisa. Pela manhã, trabalhadores também começaram a erguer a estrutura no qual subirá a presidente para marcar a entrega da obra que deve despoluir o cartão-postal da cidade. Perto dali, pilhas de cadeiras plásticas aguardavam para serem dispostas em frente ao palco. Um funcionário do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) trajando um uniforme azul chamou a atenção para a mudança de figurino imposta pela presença de Dilma.
- Amanhã, só de terno e gravata borboleta - brincou.
A presidente deverá chegar à estação às 8h e percorrê-la, conhecendo o seu funcionamento. Naquele momento, 500 litros de esgoto por segundo estarão chegando à ETE Serraria. Assim que o serviço estiver a pleno, até março de 2015, serão 2,5 mil litros por segundo, evitando o despejo diário de 200 milhões de litros de esgoto bruto no Guaíba. Ipanema deverá ser a primeira praia despoluída pelo Pisa, o que pode ocorrer a partir de 2015 - a data não está certa. Em 2030, todo o esgoto da cidade estará sendo tratado. Segundo projeções do Dmae, daqui a 50 anos, a ETE Serraria alcançará sua capacidade total, de 4,1 mil litros por segundo.
O custo total do Pisa supera os R$ 670 milhões. A ETE Serraria é a principal obra, mas há outros empreendimentos. O Pisa ficou particularmente conhecido por causa das tubulações submersas no Guaíba, que por longos meses ficaram à mostra. É nesses dutos que passará o esgoto em direção à estação.
Outra estação de tratamento foi construída no bairro Sarandi, na Zona Norte, porém menor do que a da Serraria. Foram reformadas duas estações de bombeamento (Baronesa do Gravataí e Ponta da Cadeia) e construídas sete novas: duas na Cavalhada, uma no Cristal (famosa por seu mirante, ao lado do BarraShoppingSul), uma na Restinga, uma no Chapéu do Sol e duas na Ponta Grossa.
Relatos de mau cheiro na zona sul da Capital
Esgoto cheira mal, obviamente, seja aqui ou em Paris, em Tóquio ou em Nova York. Há relatos de moradores da região da ETE Serraria de que há mau cheiro, mas a percepção não é unânime. O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) confirma que há um odor na entrada do esgoto na estação, mas nada anormal.
A causa é a subutilização da capacidade da estação. Como pode tratar até 4,1 mil litros de esgoto por segundo, mas opera, no momento, com 500 litros, os resíduos demoram mais tempo para percorrer as tubulações até chegarem à estação: 14 horas desde o ponto mais distante da ETE. Isso faz com que o esgoto chegue ao tratamento oxidado, o que aumenta o mau cheiro na entrada do local.
A estação está localizada em uma região sem comércio nem residências. Alguns militares do 3º Batalhão de Comunicação de Exército, próximo à estação, afirmam que têm sentido um cheiro forte durante as tardes desta semana. O Dmae garante que o odor não é causado pelo tratamento do esgoto. Uma possibilidade é de que venha de esgotos irregulares das redondezas, como a Vila dos Sargentos, salienta o Dmae.
- Desde que a estação começou a operar, é possível notar o cheiro de esgoto várias vezes durante o dia. É superforte, meu filho diz que é cheiro de enxofre. Não permanece por muito tempo, cerca de 10 minutos. Hoje (quinta), foi à tarde - afirma Lourdes Bonacheski, que mora a cerca de um quilômetro da estação.
O presidente da Associação Comunitária dos Moradores e Amigos da Zona Sul, José Paulo de Oliveira Barros, mora a cerca de dois quilômetros e diz não ter sido afetado:
- Eu não sinto o cheiro. Conversei com alguns vizinhos que também afirmaram não ter sentido mau cheiro algum.
Um desafio ambiental nas profundezas
Com o Pisa a pleno até março de 2015, lentamente a poluição da água do Guaíba será debelada. Ao mesmo tempo, começará a contagem regressiva para a despoluição do fundo do manancial, um fator que muitos esquecem, mas é de extrema importância para permitir banhos.
Experiências anteriores, como a dos londrinos com o Rio Tâmisa, demonstraram que a recuperação do curso d'água) demorou uma década. É o esperado para o fundo do Guaíba, a partir da plenitude do Pisa. Será preciso avançar também no controle da poluição dos rios e arroios que abastecem o Guaíba, o que caberá aos municípios que hoje despejam seus esgotos nesses afluentes.