- De seu escritório no alto do maior centro comunitário judaico do mundo, Shmuel Kaminezki, rabino-chefe dessa cidade no leste da Ucrânia, acompanhou com apreensão as notícias de que o país teria caído nas mãos de extremistas neonazistas - e teve dificuldades para acalmar o pavor de sua mãe, de 85 anos, que vive em Nova York.
Criada na Rússia e espectadora regular de canais de TV russos, ela liga todos os dias para perguntar se os pogroms já começaram a acontecer, afirmou Kaminezki. Ele responde para a mãe que não e que ela deveria parar de assistir a TV russa. - Isso é tudo mentira, os judeus não correm risco na Ucrânia, afirmou.
O presidente russo, Vladimir Putin, ajudou pessoalmente a aumentar o pavor em um discurso realizado no Kremlin no dia 18 de março, quando descreveu a derrubada do presidente Viktor Yanukovych como um golpe armado executado por nacionalistas, neonazistas, russófobos e antissemitas que continuam a dar o tom na Ucrânia até o momento.
Mas ao invés de cair no pânico da ascensão fascista, a comunidade judaica de Dnipropetrovsk, uma das maiores da Ucrânia, está comemorando a eleição recente de um de seus representantes, o bilionário chamado Ihor Kolomoysky, ao cargo de maior responsabilidade da região.
- Eles elegeram um judeu como governador. O que há de antissemita nisso?, questionou Solomon Flaks, de 87 anos, diretor do Conselho dos Veteranos Judeus da Grande Guerra Patriótica, um grupo cada vez menor de veteranos da Segunda Guerra Mundial. Desde que foi formado e 1994, quando contava com 970 membros, o número de integrantes caiu para 103, como resultado da velhice e da emigração para Israel.
Alguns judeus confirmam as afirmações russas do crescimento do antissemitismo na Ucrânia, mas eles são quase todos estrangeiros, em especial Berel Lazar, o rabino-chefe de Moscou, um importante aliado do Kremlin. Em uma entrevista para a agência de notícias The Jewish Telegraphic Agency concedida em março, Lazar criticou os judeus ucranianos por denunciarem Putin e sugeriu que eles estariam ignorando os riscos do antissemitismo.
Kolomoysky, o novo governador da região de Dnipropetrovsk, ridicularizou o apoio de Lazar a Putin, afirmando que tudo não passa de propaganda do Kremlin. A Rússia, afirmou em uma entrevista, pressionou os líderes judeus a se alinharem à afirmação moscovita de que o governo Ucraniano havia sido derrubado por um golpe fascista. - Ao contrário da Rússia, a comunidade judaica da Ucrânia não é uma ferramenta do Estado, afirmou.
Kolomoysky, um falante de russo que possui passaportes israelense e ucraniano, zombou da tentativa do Kremlin de proteger judeus, falantes de russo e outras minorias. - Somos capazes de tomar conta de nós mesmos. Não precisamos da ajuda da Rússia. Não há fascismo algum por aqui. Isso simplesmente não existe, afirmou.
O antissemitismo é algo que se vivencia no dia a dia, afirmou, mas que não recebe apoio ou encorajamento do Estado, ao contrário do que acontece na Rússia, onde os serviços de segurança toleram e frequentemente financiam grupos nacionalistas neonazistas com agendas abertamente antissemitas. A imprensa estatal russa frequentemente veicula os pontos de vista de Aleksandr A. Prokhanov, editor do jornal Zaftra, uma plataforma famosa por suas teorias conspiratórias antissemitas.
Embora não seja particularmente religioso, Kolomoysky, que também é presidente da Comunidade Judaica Unida da Ucrânia, investiu dezenas de milhões de dólares em causas judaicas ao longo dos anos. Ao lado do bilionário Gennadiy Bogolyubov, ele financiou o Centro da Menorá, que conta com sete edifícios e custou 70 milhões de dólares, abrigando os escritórios da associação dos veteranos, da Comunidade Judaica de Dnipropetrovsk e de dezenas de outras associações. Além disso, os prédios também abrigam o Consulado Israelense, uma sinagoga, restaurantes kosher, um hotel que respeita o sabá, e um museu do Holocausto com tecnologia de última geração.
O museu foge de assuntos delicados, como por exemplo a colaboração de alguns nacionalistas ucranianos com os nazistas durante a invasão de Hitler em 1941, explicando ao invés disso que os judeus apoiaram a iniciativa ucraniana de se tornar uma nação independente.
Antes do Holocausto, os judeus compunham cerca de um terço da população de Dnipropetrovsk, o que tornava a cidade um dos maiores centros da vida e da cultura judaica na Europa. A cidade agora conta com um total de 30.000 a 50.000 judeus. Uma pequena porção da população de mais de um milhão de pessoas, mas o bastante para sustentar uma comunidade vibrante. O Congresso Judaico Mundial estima que existam mais de 250.000 judeus na Ucrânia, a terceira maior população judaica entre as nações europeias.
- Esse é um dos exemplos da renascença judaica, afirmou Kaminezki, membro do movimento Lubavitch que nasceu em Israel e que estudou na faculdade rabínica de Morristown, Nova Jersey.
Segundo ele, quando os protestos contra Yanukovych começaram em novembro, muitos judeus compartilharam as aspirações pró-europeias dos manifestantes que se concentraram na Praça da Independência em Kiev, embora alguns temessem o papel dos grupos de extrema direita. Um desses grupos, o Svoboda, causou preocupação por conta dos comentários antissemitas feitos por seus líderes no passado e pela importância que atribuíram aos heróis nacionalistas ucranianos que, em alguns casos, ajudaram os nazistas e compartilharam seu conceito etnocêntrico de nacionalidade.
Entretanto, Kaminezki afirmou que os temores de um retorno do fascismo desapareceram, uma vez que há uma diferença entre o que as pessoas dizem para seu público cativo, e o que fazem quando se tornam líderes políticos legítimos. O rabino-chefe acrescentou que o antissemitismo existe na Ucrânia, como em qualquer outro lugar, mas que ele não mostrou sinais de crescimento desde que Yanukovych perdeu o poder.
Depois de uma série de ataques antissemitas não solucionados, incluindo o espancamento de um rabino e de sua esposa em Kiev, o novo chefe do serviço de segurança da Ucrânia afirmou aos líderes judeus que iria reabrir a unidade especial de combate à xenofobia e ao antissemitismo que havia sido fechada durante o governo de Yanukovych.
Até mesmo o Setor da Direita, uma coalisão de organizações ultranacionalistas e, em alguns casos, neonazistas, tem feito um esforço para se distanciar do discurso antissemita. No final de fevereiro o líder, Dmytro Yarosh, afirmou durante um encontro com o embaixador de Israel em Kiev que iria lutar contra todas as formas de racismo.
Kaminezki afirmou que a maioria dos judeus está muito mais preocupada com as tropas russas que se acumulam na fronteira com a Ucrânia, do que com o risco de violência por parte dos extremistas antissemitas. - Ninguém tem medo dos fascistas, mas todo mundo tem medo da Rússia, afirmou, destacando que houve um crescimento no interesse dos judeus locais de se mudarem para Israel, por conta do temor de um conflito armado.
Durante seu discurso no Kremlin, Putin causou medo ao afirmar que não apenas a Crimeia faz parte do território russo, mas que grandes porções do sul histórico da Rússia, uma área que inclui Dnipropetrovsk e outras partes do leste da Ucrânia, teriam sido incorretamente incorporadas ao território que até 1991 fazia parte da República Socialista Soviética da Ucrânia.
Flaks, da associação dos veteranos, afirmou que não esperava um conflito com a Rússia, mas que temia que Putin subestimasse a determinação dos ucranianos, incluindo os judeus, de defender seu país.
Em uma carta aberta a Putin, representantes de mais de 20 organizações judaicas ucranianas destacaram a instabilidade política do país, mas pediram que a Rússia não agisse no sentido de proteger as minorias ameaçadas. - Essa ameaça é causada sobretudo pelo governo russo e, em especial, por sua pessoa. É a sua política de instigar o separatismo e a pressão que exerce sobre a Ucrânia que ameaçam todos os judeus e o povo ucraniano, dizia a carta.
As manifestações que derrubaram Yanukovych, acrescentava a carta, incluíram a participação indesejada de alguns grupos nacionalistas, mas até mesmo os mais marginais não demonstram o antissemitismo e todos estão muito bem controlados pela sociedade civil e pelo novo governo ucraniano - o que é muito mais do que pode ser dito dos neonazistas russos, que são encorajados por suas forças de segurança.