
Em 2005, três amigos - dois deles judeus - confraternizavam em um bar localizado na Cidade Baixa, em Porto Alegre, quando um grupo de jovens se aproximou trajando roupas de inspiração militar. Ao observar que integrantes do trio usavam quipá, pequeno chapéu adotado pelos judeus com conotação religiosa, passaram a desferir socos, chutes e facadas nas vítimas. Os agressores, que agiram na data de celebração de 60 anos do fim do Holocausto, revelaram a extensão da ameaça neonazista no Rio Grande do Sul.
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Essa ameaça, passada quase uma década do ataque visto como um marco no embate entre a sociedade e os adeptos das ideias de Adolf Hitler no Estado, ainda existe. Ao longo desse período, a Polícia Civil promoveu mais de 50 indiciamentos em pelo menos 25 inquéritos, e procura monitorar os passos de integrantes das principais organizações de promoção do ódio - localizadas em maior número na Grande Porto Alegre e na Serra. Mas o risco prossegue.
- Recentemente, houve um pequeno aumento da mobilização de neonazistas no Interior, mais do que na Capital - afirma o titular da 1ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre e policial especializado no combate às ações extremistas, Paulo César Jardim.
O delegado evita citar estimativas sobre o número de adeptos dos ideais nazistas no Estado a fim de não atribuir força ao movimento. Um estudo recente da pesquisadora da Unicamp Adriana Dias estimou que o Rio Grande do Sul contaria com 42 mil simpatizantes - atrás apenas de Santa Catarina, com 45 mil - ao analisar o número de usuários da internet que baixaram mais de cem materiais de divulgação extremista em um determinado período.
Esse número não é levado em consideração pela polícia gaúcha porque muitos neonazistas têm mais de um perfil virtual utilizado para navegar anonimamente nesses sites, além da existência de perfis falsos utilizados por autoridades de todo o país para monitorar as atividades desses grupos. Tudo isso poderia levar a um número superestimado de adeptos da intolerância.
Jardim avalia que, nos últimos anos, a quantidade de ações violentas na região da Capital se reduziu em razão do indiciamento de 14 neonazistas apontados como suspeitos de participar da agressão de 2005 na Cidade Baixa. Como ainda aguardam julgamento, o envolvimento em outro ataque poderia agravar sensivelmente as penas deles. O grupo ainda não enfrentou o tribunal porque 10 deles entraram com recurso para tentar evitar o júri popular.
- Seria a primeira vez no Brasil, que eu tenha conhecimento, que um grupo nazista iria a júri popular. Por isso, já recebi ligações de jornalistas dos mais variados países interessados em acompanhar esse caso - conta Jardim.
O advogado de uma das vítimas de 2005, Helio Neumann Sant'Anna, conta que seu cliente levou uma facada na barriga e outra no braço. Até hoje, o rapaz sente o impacto do trauma.
- É possível ver o medo nos olhos dele. Um ataque desse tipo, motivado pelo ódio, pelo preconceito, provoca um abalo muito grande. Ele ainda espera que a Justiça seja feita - conta Sant'Anna.
A composição étnica do Rio Grande do Sul, marcada pela imigração europeia, segundo o policial, criaria um ambiente mais favorável para a identificação com a ideologia marcada pela ilusão de superioridade da chamada raça ariana. Apesar dos esforços das autoridades para conter as células neonazistas no Estado, o delegado Jardim sustenta que é uma guerra difícil. Nem a prisão costuma inibir os líderes do movimento.
- Vários deles já foram mandados para o Presídio Central para refletir sobre a bobagem que estão fazendo - conta o policial.
Para muitos, porém, a passagem pela cadeia representa uma prova de valor diante do restante do grupo. A dificuldade, segundo Jardim, é que não se tratam de bandidos comuns.
- Eles são guiados por uma ideologia. Um dia perguntei a um deles se não tinha pena das vítimas. Ele me respondeu perguntando se eu tinha pena ao matar uma barata. É assim que eles pensam - lamenta.
Casos recentes envolvendo ataques neonazistas no Rio Grande do Sul:
2003
Em julho, um estudante punk então com 24 anos relata ter sofrido agressões de neonazistas armados com bastões e soqueiras quando estava em um bar localizado nas imediações da esquina das vias Barros Cassal e Independência, na Capital.
2005
Três estudantes judeus são agredidos a socos e facadas por membros de facções de inspiração nazista no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Ao todo, 14 pessoas são denunciadas à Justiça pelo crime. Elas ainda aguardam julgamento.
Em Caxias do Sul, neonazistas são apontados como suspeitos em pelo menos dois atos violentos - o assassinato de um homossexual em um parque, em agosto, e agressões contra um jovem punk, em outubro.
2010
Livros, CDs, facas e uma soqueira estão entre os materiais apreendidos em Porto Alegre. Chamou a atenção dos policiais um vídeo em que um grupo neonazista faz ameaças ao senador Paulo Paim (PT), que é negro.
2011
Pichação com um símbolo nazista - a suástica - é encontrada nos ladrilhos de uma das escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Capital, em junho.
Um grupo que se autodefine como "anarcopunk" (punks e anarquistas) e outro de skinheads (neonazistas) se enfrentam em uma briga na Capital em outubro. Duas pessoas são feridas a faca.
2012
Com soqueiras, bastão e facas em punho, um suposto grupo de neonazistas é detido pela BM quando estaria prestes a atacar jovens em uma parada de ônibus de Caxias do Sul, em janeiro. Os alvos seriam negros e punks.
2013
Em março, um negro é esfaqueado no abdômen, quando voltava de uma festa, na Capital. A suspeita é de que o ato tenha sido provocado por neonazistas.
* Colaborou Cleidi Pereira