
Foi com a mesma persistência de quem sempre levou a vida "igual uma valsa, um pra lá e dois para cá", como define Arno Dannenberg, que o aposentado de 73 anos conseguiu catar, em dois anos, 9 mil latinhas. O objetivo - alcançado - era juntar R$ 299 para comprar um "violim", como chama, ou violino, para os não tão íntimos.
O sonho do instrumento clássico era antigo. Dos tempos em que o pedreiro ainda nem pensava em ser pedreiro, tinha 15 anos e no meio da batata, da cebola, do milho, da enxada, da vida rural da zona sul do Estado e dos três irmãos, tocava em uma banda. Era o gurizote do trombone, equipamento financiado pelo dono do conjunto musical. Mas sempre espichava o olho para o violino do colega, "que é coisa bem bonita", aprecia.
- A gente tocava dança da cadeira, dança da vassoura, nos chulé de noiva (noiva tirava o sapato e banda tocava em volta, na festa), em igreja, em casamento, em baile - enumera, para depois fazer uma ressalva: - Mas não baile como hoje que não se vê nada de tão escuro, era tudo claro com luzes de querosene ou fechava o salão, porque os pais não deixavam as moças irem.
E que boas lembranças de moças ele tem! Podia levar qualquer uma para se juntar aos músicos, que se fartavam na mesa reservada aos artistas. Porém, aos 20 anos, o lugar ao lado já tinha nome marcado:
- Da moça que namoro há 53 anos - faz graça sobre a mulher, que ele confidenciou não saber da entrevista ou poderia ficar braba: - Ela pensa que se publicarem que junto latinhas, vão tirar minha aposentadoria. Não vão, né? - pergunta receoso.
A ideia das latinhas surgiu após ver um conhecido comprar "esses televisores de parede", como diz, só com dinheiro da coleta. Como Dannenberg tem três pontes de safena e o médico orientou a caminhar bastante, ele aproveita as voltas matutinas e no final da tarde para recolher os objetos. Fez amizade com o pessoal de um restaurante e com o de um supermercado e todo dia, além do cumprimento em alemão, pomerano ou português - línguas comuns no interior de Canguçu - também ganha contribuições.
Em março, cruzou pela vitrine de uma loja de música e viu a promoção de R$ 299 pelo violino. Calculou quanto tinha guardado e pensou que já teria o suficiente. Fazia 45 anos que havia parado com a carreira musical. Só brincava com uma gaita de boca de vez em quando ou embalava os domingos ao tocar o sino da igreja.
- Ele entrou contando a história dele e, para ajudar, marcamos as notas com adesivo no violino. Postamos no Facebook uma foto dele e muita gente curtiu (veja abaixo) - diverte-se o proprietário da Home Studio Espaço de Música, Alex Pinz.
O aprendizado autodidata vai devagarzinho.
- Eu estou quase quase tocando uma música completa - se orgulha.
Valsa, baião e xote são alguns dos ritmos que quer botar no repertório.
- Tem músicas que não me "alembro", mas vou falar com outros músicos velhos - promete.
Ah é, o aposentado também tem outro sonho. Quer montar uma banda. Das antigas. "Das boas", garante. Para isso, tem que comprar outros instrumentos. E será que tem ânimo para reunir mais latinhas?
- Vontade sim, mas idade... Vamos ver!
Veja vídeo com a história do pedreiro: