Vanessa Kannenberg / Uruguaiana
"Proibido abandonar animais aqui". A placa quebrada fixada em frente a um portão avisa que estamos no local certo, a cerca de 12 quilômetros do Centro de Taquari. Ao sair do carro, o cheiro forte de fezes e urina e um coro de latidos ensurdecedor confirma: a chácara de 10 hectares à frente é um canil clandestino, atualmente, com 274 cães.
Sem nenhum documento de autorização para funcionar, uma analista aposentada do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) iniciou o abrigo há mais de 20 anos, recolhendo animais abandonados das ruas. A boa ação, no entanto, foi crescendo a ponto de as pessoas começarem a deixar cachorros em frente ao portão da idosa e o número de animais abrigados ultrapassou os 400.
Desde o início, todos eles vivem presos, durante as 24 horas do dia. Nenhum tem nome.
- Isso aqui é uma prisão de cachorros. Eles nunca passeiam e vivem presos em coleiras ou em baias, expostos ao frio, à chuva e com condições mínimas de higiene - descreve a juíza Andréa Caselgrandi Silla, titular da 2ª Vara Cível de Taquari.
Desde meados do ano passado, ela encabeça um grupo de voluntários que resolveu agir. O Ministério Público (MP) foi acionado e a solução encontrada foi apenas uma: doar os cães. Como achar um lar para os 339 animais contados na época não seria algo rápido, o MP assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em outubro de 2013 impondo uma série de obrigações e prazos à aposentada e dona da chácara, Therezinha Reis Prefácio, 78 anos.
A principal delas é que ela não pode recolher mais nenhum animal. Mais do que isso, deve doar os animais, ficando com no máximo 50, em um prazo de cinco anos, sendo que todas as adoções devem ser intermediadas pelos voluntários. Além disso, o acordo determina que Therezinha indique, até outubro, uma pessoa para assumir o canil caso ela fique impossibilitada, uma vez que não tem marido, filhos ou familiares próximos. Ela ainda não encontrou ninguém.
- Me aposentei em Porto Alegre e voltei para Taquari em 1981. Comprei a chácara cinco anos depois. Recolhi o primeiro cachorro, depois mais um, mais um e assim foi. Aí as pessoas começaram a abandonar aqui também. Hoje, gasto aqui mais do que ganho - conta Therezinha, apoiada em um pedaço de pau improvisado como bengala.
Com os olhos marejados, ela exibe a contradição quando é questionada sobre as adoções.
- É o melhor pra eles, então o que posso dizer... - conclui, baixando o tom de voz.
No próximo dia 10, o promotor substituto Neidemar José Fachinetto vai promover uma audiência com a aposentada para ver se o TAC está sendo cumprido e se há necessidade de novas ações.
Por e-mail, a prefeitura confirmou que o canil não é regularizado, mas que recebe visitas mensais da Vigilância Sanitária. A equipe verifica questões como limpeza e a situação sanitária dos animais e, sempre que necessário, "solicita ações corretivas".
Veja imagens dos cães e do canil: