Marcelo Gonzatto
A ocupação da tradicional Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por estudantes, ocorrida nesta semana, é reflexo de um processo iniciado há três anos na instituição.
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A forma de seleção dos professores, principal alvo de contestações dos manifestantes acampados em corredores e salas do prédio, começou a se tornar um tema prioritário para os alunos quando foi deflagrado um processo de rápida expansão do curso, a partir de 2011.
Até esse período, os concursos para professor eram esporádicos. Por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), há três anos o número de vagas oferecidas para o Direito disparou: dobrou de 140 para 280, inicialmente, e hoje chega a 350, de acordo com o edital do mais recente vestibular da instituição. Como resultado, a seleção de novos professores também se intensificou e passou a estimular um debate interno sobre a justiça das normas de escolha.
- Foram abertas 11 vagas para professor nos últimos anos, o que aumentou o interesse dos estudantes sobre esses processos e criou uma cultura de acompanhamento dos resultados - afirma a presidente do Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR), Gabriela Armani.
Ao longo deste período, a insatisfação dos alunos com o funcionamento das bancas de seleção foi se tornando uma bandeira cada vez mais popular internamente. A preocupação era de que nem sempre o melhor candidato seria contratado devido à possibilidade de critérios subjetivos influenciarem a escolha. Como os estudantes avaliaram que não houve avanço na negociação sobre as reivindicações, novas formas de pressão começaram a ser discutidas.
O tema ganhou impulso depois de bastidores de um concurso realizado no final do ano passado virem à tona - dois participantes da banca examinadora de fora da UFRGS, Fernando Galvão (UFMG) e Mariângela Gomes (USP), revelaram pressões internas para não aprovar o candidato Salo de Carvalho pela suposta falta de um "perfil adequado" para a instituição. Carvalho recebeu as notas mais altas da dupla de avaliadores, mas sua aprovação foi impossibilitada pelas notas muito baixas atribuídas por um terceiro integrante da banca, o docente da UFRGS Odone Sanguiné. Segundo relato assinado por Galvão e Mariângela, Sanguiné teria tentado convencê-los de que a reprovação de Carvalho seria "conveniente".
Em uma assembleia que contou com a participação de quase 200 estudantes, a ocupação acabou sendo escolhida como estratégia para forçar a anulação do concurso e a busca por novas normas para os concursos em toda a universidade.
Líderes da ocupação mantêm regras para evitar confusão
Embora a ocupação não seja organizada exclusivamente por integrantes do centro acadêmico, uma das líderes do movimento é a presidente do CAAR, Gabriela Armani - ativista com perfil pouco usual neste tipo de mobilização. Gabriela, que tem 19 anos e cursa o 4º semestre de Direito, é egressa de duas escolas particulares tradicionais da Capital, o João XXIII e o Rosário.
Com pouca experiência na militância estudantil ("fui representante da turma uma vez no João XXIII"), evita vinculações partidárias e afirma incorporar um perfil "pragmático" comum a muitos colegas.
- Houve um processo gradual de indignação dentro do curso. O objetivo é defender o nome da UFRGS - sustenta Gabriela, filha de uma professora universitária da Faculdade de Educação da própria universidade e de um consultor institucional.
Isso não quer dizer que não existam participantes com vinculações partidárias: o aluno Luciano Victorino, por exemplo, é ligado ao PSOL e já participou de uma outra ocupação, realizada na Reitoria, em 2012, ainda como aluno do Jornalismo. Porém, não ocupa cargo na coordenação do centro acadêmico e afirma que sua atuação no movimento, nas áreas de comunicação e negociação, não tem "qualquer relação" com o partido.
Outros adeptos da mobilização são alunos ainda no começo do curso, como Luiza Vanzin, 18 anos, atualmente no 3º semestre. Voluntária, ajuda no que for necessário para colocar em prática normas adotadas pelo grupo para manter a faculdade em boas condições.
Entre as regras da ocupação estão a determinação de não bloquear qualquer acesso, manter as salas livres para a continuidade das aulas e evitar danos ao prédio. Na tarde de quinta-feira, fora as barracas montadas nos corredores e os colchões dispostos na sala dos professores, os espaços se encontravam desobstruídos e limpos.
As decisões sobre assuntos do dia são tomadas em assembleias diárias realizadas na sala dos professores. É lá que os estudantes aguardam, também, um desfecho para o impasse com a instituição. Procurados por ZH, o diretor da faculdade, Danilo Knijnik, e o professor Odone Sanguiné não quiseram se manifestar.
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