
Tal qual um terremoto com suas réplicas, a imprensa latino-americana vive momentos especialmente turbulentos desde 2013, quando relatórios de organizações internacionais demonstraram situação alarmante.
Neste Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, a ONG Repórteres Sem Fronteiras identifica retrocessos em Brasil, Argentina, Cuba e México, além de Equador e Venezuela, os casos mais graves. A Anistia Internacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) não tiveram meias palavras. No informe sobre 2013, a Anistia citou violações à liberdade de expressão. A CIDH alertou sobre Equador e Venezuela. Em reunião no primeiro fim de semana de abril, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, em espanhol) definiu o quadro na Venezuela como de "violência institucional e social sem precedentes", perseguições e escassez de jornal papel. Trata-se, diz a SIP, do momento "mais dramático". Nos protestos iniciados em 12 de fevereiro, 105 jornalistas foram detidos ou agredidos.
A SIP fez um apelo por solidariedade aos jornais venezuelanos. Em seu informe, relatou: "Quem não aceita ser silenciado é empurrado para a quebra ou o fechamento". O apelo funcionou. Em 11 de abril, jornais venezuelanos receberam uma boa notícia: 52 toneladas de papel doados pela associação colombiana Andiarios. Jornais venezuelanos sofrem com a escassez do insumo, em razão do controle do dólar pelo governo. Para comprar o papel de cada dia, precisam de permissão oficial e não a recebem. Vinte jornais deixaram de circular e mais de 10 reduziram o número de páginas. O maior do país, o El Nacional, diminuiu em 40% o volume das edições. Cortou suplementos. A ajuda colombiana garantiu sobrevida de 15 dias.
- O ano de 2013 foi um dos piores em décadas. Morreram 17 jornalistas. Em 2014, não há sinais auspiciosos. Já tivemos sete jornalistas mortos, dois deles no Brasil - diz o uruguaio Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP.

Paolillo define a lei de comunicações do Equador como a "mais retrógrada e arbitrária do Ocidente". Trata-se, segundo ele, de um exemplo de que o sismo de 2013 não se deteve em 2014: a lei foi aprovada no ano passado e começa a ser aplicada neste, controlando a imprensa. Paolillo define o presidente equatoriano, Rafael Correa, como "editor geral da República". Na Venezuela, alerta: os jornais "podem desaparecer". No Brasil, diz ele, narcotraficantes mandam mais que autoridades no Interior.
Espionagem nos EUA é motivo de preocupação
Sobre a Argentina, Paolillo afirma:
- A Suprema Corte ordenou ao Executivo que deixe de discriminar jornais com publicidade oficial, e o governo não cumpriu. Alegou que há intromissão do Judiciário.
Representante do Fórum de Jornalistas Argentinos, Andrés D'Alessandro critica a Lei dos Meios, que regula a mídia. O governo, em disputa com o grupo Clarín, alega que a lei pretende democratizar o setor.
Na Colômbia, apesar de os cartéis da droga terem sido desmantelados, o jornalismo ainda é profissão de risco. O país contabiliza quatro mortos desde 2010.
O dirigente da SIP, porém, vai além na amplitude das suas críticas e na geografia:
- Nos Estados Unidos, há espionagens de telefonemas e e-mails. Entre os espiados, estão jornalistas. As fontes se retraem.
Os problemas atingem a América do Sul, passam por Cuba e Nicarágua e chegam à América do Norte. No México, 45 jornalistas foram assassinados desde 2006.
Embaixador sênior da WAN-IFRA (associação mundial de jornais e editores) para a liberdade de expressão, o presidente Emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, estima em "não mais que 20%" os locais no mundo onde há liberdade de imprensa.
- Na América Latina, infelizmente, há alguns retrocessos - diz ele.
Entrevista: Emilio Palacio
Emilio Palacio, 60 anos, era o editor de opinião do diário equatoriano El Universo quando o presidente Rafael Correa o processou, em fevereiro de 2011. Foi condenado a três anos de prisão com os donos do jornal. Pediu exílio em Miami, onde chegou a passar necessidades.
Qual a situação?
Sigo em Miami como asilado, com minha mulher e meus filhos, de 21 e nove anos. Nossa situação econômica é difícil, mas nossa vontade se mantém. Estamos muito unidos.
E seu trabalho?
Mantenho coluna semanal no Diario de las Américas, de Miami. Envio artigos ao Equador pela internet. Tive de superar o governo, que contratou um escritório de advocacia de Barcelona para nos perseguir na internet. Rompeu o direito à informação de jornalistas equatorianos no Youtube, Vimeo e Twitter com o pretexto de "direitos do autor". Argumenta que não podemos mostrar vídeos do presidente porque ele é proprietário dos direitos dessas imagens.
Como o senhor vê a política equatoriana?
Em 23 de fevereiro, o governo sofreu duríssima derrota eleitoral, ao perder as prefeituras das cidades mais importantes do Equador. Ganhou só nos municípios menores. Há deterioração paulatina da economia, e a população quis enviar um sinal ao governo, para que não continue seguindo o caminho da Venezuela. O presidente não escutou essa chamada de atenção e endureceu suas posturas. Obrigou o jornalista Alfredo Pinoargote a pedir desculpas em público por ter comentado que as novas leis proíbem chamar afro-americanos de negros. O comentário não teve sentido pejorativo. Obrigou um jornal a se desculpar por ter publicado foto de uma mulher pelada com o título "Que potra".
Entrevista: Teodoro Petkoff
Ex-guerrilheiro socialista, o jornalista Teodoro Petkoff, 82 anos, é proprietário do jornal venezuelano TalCual. Após um articulista do jornal ter criticado o presidente do Legislativo, o chavista Diosdado Cabello, Petkoff foi alvo de ação judicial. Não pode deixar o país.
Como ficou sua situação após a ação judicial?
Estão fazendo um cerco à imprensa. Diosdado Cabello acionou toda a direção do jornal. Houve um fato menor, insignificante, que ele usa como pretexto. A frase contra a qual reage foi escrita por um colaborador externo do jornal, que escreveu que Cabello recomendou a quem não está satisfeito com a insegurança do país ir embora. Entrou com ação contra o colaborador, o editor e toda a direção. Isso é inédito. Na prática, uma censura que se soma a outras medidas, como o fechamento de meios de comunicação, pressões fiscais, multas, falta de papel para jornais e perseguições.
Que motivação o senhor vê nessa ação judicial?
Não tem nem pé nem cabeça. Faz parte de um contexto de abusos de poder a que estamos submetidos nos últimos 15 anos. Manipulam a Justiça, querem nos calar. A ação contra nós é contra um direito fundamental, a liberdade de expressão, restringida na Venezuela.
O que o senhor fará?
Deve-se alertar sobre essa situação, de um país que perde progressivamente os valores democráticos mais elementares. O TalCual não vai se calar. Continuaremos lutando pela democracia e pela decência, pela convivência civilizada. É nossa missão.