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Criada para guardar os grãos colhidos pelos produtores do Rio Grande do Sul, a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) luta para tentar se manter em pé em meio a uma enxurrada de ações judiciais. A estatal já engoliu quase meio bilhão de reais aos cofres públicos.
Os processos movidos por ex-funcionários corroem boa parte do orçamento mensal da Cesa. Apesar do aperto nas contas nos últimos três anos, feito para dar fôlego financeiro à empresa , o balanço de 2013, divulgado no final de junho, escancarou prejuízo de R$ 62 milhões, inflado pela provisão de R$ 45 milhões para pagamento de ações trabalhistas.
Na prática, essa quantia não foi paga, mas terá de ser desembolsada no máximo até 2016. A cifra corresponde a quase seis vezes o gasto anual da companhia com seus 200 funcionários.
- Encontrei uma montanha de ações trabalhistas quando assumi. Durante os dois anos anteriores, a Cesa não se defendeu. Foi condenada nos 544 processos em que era ré. Hoje, é possível ao menos ver o horizonte - disse JERÔNIMO OLIVEIRA JUNIOR, presidente da Cesa em 2011 e 2012 e atual diretor comercial da companhia.
Apenas em compromissos trabalhistas, a estatal tinha pendências de R$ 57 milhões em 2010. Atualmente, o passivo encolheu para R$ 17,5 milhões, mas a dívida com outros credores ainda compromete a estatal: ultrapassa R$ 200 milhões. Sem conseguir vender ativos, não restou outra alternativa senão pedir mais R$ 23 milhões ao Estado em 2013, além dos R$ 30 milhões que recebe anualmente.
- A operação da Cesa dava prejuízo até 2010. Com o fechamento de unidades deficitárias, tivemos lucro operacional (sem contar o pagamento de dívidas) de R$ 5,8 milhões em 2013. É pequeno, mas relevante. Infelizmente, ainda estamos soterrados com parte das dívidas - afirmou MARCIO PILGER, presidente da Cesa, que prevê uma situação melhor em 2015.
Diante dos números negativos, a Associação de Proteção aos Profissionais Contábeis do Estado (Aprocon Contábil-RS) pediu ao Ministério Público de Contas uma auditoria na Cesa - o que não foi aceito porque o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já analisa a situação da empresa.
A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre requisitou a relação completa dos processos ajuizados contra a companhia entre 2008 e 2010.
- Queremos analisar, principalmente, a fórmula do cálculo, para entender a razão de um passivo trabalhista tão grande - afirma o promotor Nilson de Oliveira.
Fechamento teria custo milionário
Uma das consequências do problema financeiro da Cesa é o reflexo na prestação de serviços. Com estrutura em 18 municípios, a Cesa tem capacidade para armazenar 600 mil toneladas, mas o uso médio é de 280 mil.
Arlindo Bianchini, diretor-superintendente da Bianchini - maior armazenadora do Estado, com capacidade três vezes maior do que a Cesa -, diz que a estatal "parou no tempo" e não oferece qualidade, apesar de ser útil aos pequenos produtores:
- Mesmo bastante antigas, as unidades da estatal estão bem posicionadas, estão onde a iniciativa privada ainda não chegou.
Sem a relevância de 20 anos atrás, a Cesa armazena hoje menos de 1% da produção de grãos gaúcha. Apesar disso, fechar as portas deixaria a conta mais salgada, segundo o governo estadual e especialistas em contabilidade.
Se a estatal encerrasse as atividades agora, o Estado seria obrigado a desembolsar cerca de R$ 109 milhões, calcula Salézio Dagostim, presidente da Aprocon Contábil-RS. E mesmo que a Cesa vendesse tudo o que tem, não arrecadaria dinheiro suficiente para pagar toda a dívida acumulada.
Contas a pagar
R$ 73,1 milhões com o BRDE. O banco financiou a construção de três unidades (Santo Ângelo, Caxias do Sul e Ibirubá) em 1981, mas levou calote e cobra judicialmente a pendência.
R$ 46,2 milhões com a Fundação Sillius. Em outubro de 2011, a conta era de quase R$ 80 milhões. Desde lá, cerca de R$ 16 milhões foram pagos e nova negociação reduziu o débito em R$ 18 milhões. Com 90 parcelas a vencer, deve ser quitada em 2021.
R$ 45 milhões de passivo provisionado. A Cesa reservou esse valor para pagar pagamento de dívidas estimadas em até R$ 189 milhões. O número exato está em discussão na Justiça.
R$ 26,8 milhões referentes ao Refis da Crise. Dos R$ 32 milhões devidos em 2011, R$ 5,2 milhões foram pagos.
R$ 23,5 milhões com o Estado, que repassou a quantia de maio a dezembro de 2013. O valor deve ser liquidado com o ingresso de receita pela venda de áreas inativas da Cesa.
R$ 17,5 milhões em passivo trabalhista. Em 2010, chegou a R$ 57 milhões. Em três anos, foram pagos R$ 39,5 milhões.
R$ 6,3 milhões com a Superintendência dos Portos. Tentativa de repassar a unidade de Rio Grande ao órgão gerou pagamento de R$ 6,3 milhões, mas o valor teria de ser devolvido porque o negócio foi desfeito. A dívida deve ser paga pelo Estado.
R$ 3,8 milhões com prefeituras. Atrasos de IPTU e ISS estavam em R$ 7 milhões em 2011. A conta caiu quase pela metade, mas o desembolso mensal ainda é pesado: R$ 130 mil. A dívida será quitada no fim de 2016.
R$ 2,5 milhões em aluguéis atrasados na unidade de Estrela, que pertence à Codomar. O caso está na Justiça há vários anos.
R$ 951 mil em dívida com crédito rural. Acordo prevê pagamento de 20 parcelas de R$ 105 mil semestrais. A conta deve ser quitada em março de 2019.
Sem parceria federal ou privada
Opção para estancar os prejuízos, a federalização da Cesa está travada por amarras burocráticas. Em análise há quase três anos, a proposta feita pela diretoria da estatal esbarra no receio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de assumir uma armazenadora de dívidas.
Em 2012, a Cesa tentou parceria com o Ministério da Agricultura para que os silos e armazéns da companhia fossem destinados exclusivamente para armazenamento dos estoques públicos administrados pela Conab. A negociação não avançou.
- Sairia muito caro utilizar depósitos da Cesa no norte do Estado, já que boa parte da produção que a Conab mantém está na Metade Sul - diz Glauto Melo Lisboa, superintendente da Conab no Rio Grande do Sul.
Parcerias com a iniciativa privada também não avançam. A razão é a falta de acordo sobre o modelo do negócio: a Cesa não abre mão de controlar as unidades.
- Muitos clientes reclamam de danos na mercadorias e mistura de produtos, mas procuram a companhia porque não têm opção. Melhor seria conceder o serviço à iniciativa privada, que daria mais eficiência e tornaria mais barato para os produtores - analisa Mario Lopes, um dos sócios da Serra Morena, empresa que atua na mesma área.
Estatais do setor perdem relevância
A maior parte das companhias estaduais de armazenamento de grãos no país foi extinta. Estado com maior produção no Brasil, Mato Grosso fechou todas as unidades há anos. Segundo no ranking, o Paraná ainda mantém silos e armazéns públicos, mas a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Codapar), responsável pelo serviço, perde relevância ano a ano.
Hoje, a Codapar armazena apenas 0,4% de toda produção paranaense, que, na safra 2012/2013, chegou a 36,3 milhões de toneladas. E não usa todo o espaço disponível por problemas com a manutenção da estrutura. A situação econômica não é muito diferente da coirmã gaúcha, mas a empresa paranaense não recebe aportes do Estado.
- Não temos agilidade necessária para concorrer com a iniciativa privada - admite Francisco Carlos Alves, gerente comercial e de novos negócios na Codapar.
Medidas definidas em 2011 e que não vingaram
1 Proposta: enxugamento da folha de pagamento e economia de R$ 3 milhões ao ano.
Como ficou: foram demitidos 31 funcionários aposentados. Em três anos, os gastos com salário foram reduzidos em 22,4%, equivalente a R$ 2,2 milhões anualmente.
2 Proposta: licitação para venda de cinco hortos florestais, com 570 mil hectares, e preço estipulado em R$ 4,7 milhões.
Como ficou: foram colocados à venda em 2012, mas não houve interessados na compra. Há perspectiva de que sejam vendidos ao Estado, que usaria a área para reforma agrária.
3 Proposta: negociar a unidade de Estrela com o governo federal em troca do pagamento de aluguéis atrasados.
Como ficou: a ideia foi abortada por falta de interesse do governo federal. A unidade atende agora o programa Milho Balcão, que é executado pela Conab.
4 Proposta: negociar com a Conab para elevar a armazenagem de 131 mil toneladas de grãos para ao menos 400 mil.
Como ficou: em 2013, a Conab armazenou 234,8 mil toneladas, o equivalente a 36% da capacidade instalada da Cesa. O aumento da receita para a companhia foi de R$ 7,2 milhões. O alto custo de remoção dos estoques públicos e a dispersão das unidades no Estado são apontados como motivos para parceria não ter sido aprofundada.
5 Proposta: venda de seis unidades da companhia, avaliadas em R$ 50 milhões. O resultado seria dividido entre reformulação das 16 unidades restantes e quitação com desconto de dívida com a Fundação Sillius.
Como ficou: cinco unidades foram colocadas à venda (Passo Fundo, Nova Prata, Santa Bárbara do Sul, Caxias do Sul e Estação), mas não houve interessados. Todas estão desativadas porque davam mais prejuízo do que lucro.
Para reduzir a sangria
Justiça trabalhista
Sem representante que a defendesse na Justiça, a Cesa perdeu todas os processos contra a estatal de 2008 a 2010. Das 544 ações trabalhistas, 354 foram pagas. Das 400 ações ajuizadas entre 2011 e 2013, a Cesa teve ganho de causa em cerca de 70% dos casos.
Fechamento de unidades
Sem conseguir vender unidades que davam prejuízos, a direção decidiu fechar silos e armazéns em Caxias do Sul, Estação, Santa Bárbara do Sul, Nova Prata e Passo Fundo.
Parcerias privadas
A direção estuda fazer parcerias com a iniciativa privada, que administraria algumas unidades. Transformar a unidade de Capão do Leão, com criação de pátio para descanso de caminhoneiros é uma das ideias.
Menos horas extras
Em 2010, a Cesa pagou 69 mil horas extras. Três anos depois, o número caiu para 35 mil. A redução gerou economia de R$ 230 mil por ano.