A perspectiva de aprofundamento da turbulência econômica na Argentina, caso se confirme a possibilidade de um novo calote da dívida externa do país, causa apreensão pelos efeitos que pode trazer para o Brasil. De acordo com analistas, uma reedição do default de 2001 traria desconfiança e restringiria ao extremo o crédito para os argentinos. O financiamento de exportações e importações seria prejudicado. Haveria piora de uma situação já evidenciada há alguns meses na balança comercial brasileira: a retração no fluxo comercial com o país vizinho, um dos principais parceiros do Brasil, e dificuldade em compensar, direcionando as vendas para outros mercados.
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Após o calote de sua dívida há 13 anos, a Argentina renegociou com 93% dos credores No último dia 26, o país depositou US$ 1 bilhão destinados a pagar quem aceitou a reestruturação. Entretanto, o juiz norte-americano Thomas Griesa ordenou a restituição da verba ao país, entendendo que os argentinos devem pagar primeiro a fundos especulativos, conhecidos como fundos abutres, que reclamam 100% do valor nominal dos títulos. Para evitar um novo default, os argentinos precisam negociar com esses fundos. Griesa nomeou um mediador para acompanhar o diálogo.
Na quinta-feira, a Organização dos Estados Americanos aprovou uma declaração de respaldo à posição argentina, destacando que a intervenção judicial no processo de reestruturação da dívida de um país soberano traz instabilidade ao sistema financeiro internacional. O documento não foi apoiado pelos Estados Unidos e o Canadá. O Brasil é favorável à Argentina. O chanceler argentino, Héctor Timerman, discursou no encontro, afirmando que o país negociará com os credores, mas "não abandonará seu povo para favorecer os fundos abutres".
Caso não se alcance uma solução negociada e haja default, a relação da Argentina com instituições financeiras e parceiros comerciais será penalizada.
- Em um país que está em default, os bancos são mais resistentes a abrir linhas de crédito. O custo, por exemplo, de financiamento de exportações, ficará mais caro - diz Walber Barral, da Barral M Jorge Consultoria e ex-secretário de Comércio Exterior.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, acrescenta:
- Empresas terão dificuldade em receber por eventuais exportações [para a Argentina]. Vão exigir que as vendas sejam feitas a partir de pagamentos antecipados.
Segundo Castro, em um cenário de calote, o Brasil sentirá diretamente os efeitos, porque a Argentina é o principal destino dos manufaturados brasileiros. Um total de 50% [desses produtos] vai para a América do Sul, principalmente a Argentina. No Mercosul, as tarifas mais baixas permitem valores competitivos, mesmo com custo alto de produção no Brasil.
Na avaliação de Castro, as elevações nas exportações brasileiras para os EUA, que subiram em nove dos últimos 12 meses, e a mais recente recuperação nas vendas para a União Europeia, não significam necessariamente que o Brasil esteja conquistando mais fatias desses mercados.
Na hipótese de não haver calote, as perspectivas para as relações comerciais entre o Brasil e a Argentina melhoram, mas permanece o cenário de desaquecimento na economia argentina.
- Há uma expectativa do mercado de que haja acordo. [Mas] a balança comercial [com os argentinos] vem caindo desde o ano passado. O que normalizaria é ter crescimento econômico. Depende do cenário mundial, mas a previsão é que não tenha no curto prazo - comenta Walber Barral.
De janeiro a junho deste ano, as exportações do Brasil para a Argentina caíram 19,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O fluxo comercial entre os dois países recuou de US$ 524 milhões, de janeiro a maio de 2013, para US$ 385 milhões nos cinco primeiros meses deste ano.