
Médicos ligados à luta contra o crack afirmam que os elevados índices de recaída e reinternação apontados por uma pesquisa gaúcha - quase 90% dos jovens voltam a fumar a pedra três meses após receber alta - reforçam a necessidade de aprimorar o método de tratamento no país.
Segundo especialistas, o sistema público ainda oferece poucos leitos, períodos curtos de internação e não consegue acompanhar o usuário após a alta para prevenir ou reverter eventuais recaídas. Um dos principais problemas, para o psiquiatra e ex-diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro Luiz Carlos Illafont Coronel são as "altas precoces" dos dependentes - geralmente, o período de internação autorizado pelo SUS é inferior a um mês.
- Na Inglaterra, se preveem internações de 30 a 90 dias para depressão grave, o que poderia servir como um parâmetro. Mas o ideal é que o prazo dependesse apenas da condição do paciente. O que se faz hoje é absurdo - afirma o psiquiatra.
Quase 90% dos jovens voltam a usar crack logo após tratamento
Em nota, Ministério da Saúde aponta avanços
Coronel afirma que, segundo levantamentos realizados no país, ao redor de um terço das mortes de usuários de crack são motivadas por altas antecipadas - por razões de saúde ou causas indiretas como envolvimento com a criminalidade ou traficantes. Outra dificuldade é a falta de leitos psiquiátricos - que já chegaram perto de 200 mil no país e hoje estão em 32 mil. Segundo um relatório elaborado por sete entidades médicas, o Estado perdeu 36,7% dos leitos de psiquiatria entre 1993 e 2013.
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Em consequência, dependentes como o trabalhador autônomo Solon Santos da Silva Filho, 37 anos, recorrem a sucessivas internações e lidam com uma frequente falta de vagas. Ele está em seu quinto tratamento desde 2010: já passou por três internações em clínicas pelo SUS e está na segunda temporada em uma comunidade terapêutica - a Acolher, de Gravataí. Nas clínicas, conseguiu ficar no máximo um mês, o que considera "muito pouco". Também precisou superar obstáculos para garantir leito:
- Na minha segunda internação, tive de recorrer a uma ordem judicial para conseguir vaga. Mesmo assim, não adiantou e recaí. Agora, já estou há oito meses e 10 dias na comunidade terapêutica - conta.
O presidente da Associação de Psiquiatria do Estado e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Carlos Salgado, afirma que é necessário investir em ações como medicina comunitária, que permita acompanhar o dependente fora do hospital, aumentar a oferta de leitos psiquiátricos e aprimorar o treinamento dos profissionais de saúde para lidar melhor com a epidemia da droga.