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Na úmida localidade de São Marcos, interior de Uruguaiana, ninguém chega por terra. De lá, ninguém sai caminhando. Desde sexta-feira, entrar ou sair depende de um meio que eles não dispõem: barcos. Ilhado pelo Rio Uruguai que transborda pela enchente, o distrito perdeu o laço que o unia ao resto do mundo, uma rodovia estadual hoje inundada. Eles não seriam mais ouvidos não fossem os 13 homens do Exército que, há três dias, vêm e voltam levando e trazendo moradores.
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Debaixo da água por onde navegam os militares, há lavouras de arroz - no momento, invisíveis. Mais de 13 metros separam o que era campo do que agora é rio. Quem precisa comprar mantimentos ou consultar um médico enfrenta a travessia de 20 minutos em um dos três botes disponibilizados pelo Exército para assistência aos quase mil moradores de São Marcos. São 350 famílias que, vivendo circundadas pela enchente, dependem do transporte aquático.
Vinte minutos dura, em média, a travessia embalada pelo leito agitado do rio e pelo vento que sopra frio. O vaivém que começa às 9h da manhã e termina às 17h é constante - tanto, que os militares nem conseguem precisar o número de viagens feitas em cada dia. A bordo, três homens do Exército e, no máximo, oito moradores equipados com resistentes coletes salva-vidas. A água ainda derrubou o poste de luz e deixou os são-marquenses sem energia elétrica e, por consequência, água. E olha que eles nem reclamam.
Saiba como ajudar as vítimas da enchente
- É entristecedor não por nós que moramos numa parte mais alta, mas pelos que perderam tudo. Todas as enchentes nos deixaram isolados - diz a aposentada Jeni Leão, 57 anos, que mora em uma das primeiras casas do distrito.
Em São Marcos, seis famílias tiveram suas casas levadas pela enchente e estão abrigadas na associação de moradores e no CTG local. A prefeitura de Uruguaiana enviou água potável e, assim, a ilha se promove a uma cidade à beira da normalidade. O subprefeito do distrito, Carlos Ribeiro Cadore, reforça que esta não é a primeira vez que enfrentam o isolamento.
- Já teve vez que passamos um mês e 20 dias sem acesso - lembra, se referindo à enchente de 1983, a mais drástica da história.
Pouco antes do meio-dia deste domingo, um alerta de urgência máxima saltou aos ouvidos do aspirante a oficial José Eliseu Serqueira Júnior, que está em contato direto 24 horas por dia com o subprefeito. Uma mulher, grávida de oito meses, havia entrado em trabalho de parto. Foi o tempo de chegar com o bote para resgata-la que a ambulância já a esperava do outro lado, na Barragem Sanchuri. A moça foi levada à Santa Casa de Uruguaiana, mas o alarme era falso. Medicada, foi em seguida liberada.
Há um acerto entre a subprefeitura e o Exército de que somente aqueles que realmente necessitam são transportados pelas embarcações - e a comunidade tem cooperado, garante o aspirante.
- Começamos a operar para auxiliar essas pessoas a adquirirem material de subsistência, por exemplo, que já está faltando - afirma Serqueira.
Os barcos vieram da sede de Alegrete especialmente para atender a comunidade de São Marcos. No final da tarde deste domingo, um casal deixava a área ilhada carregando três sacolas cheias. Iam para onde?
- Viemos só olhar a casa, para ver se não tinham levado nada, levar algumas carnes para não apodrecerem e dar comida aos cachorros. É que quando avisaram que a enchente viria fomos para a casa da minha mãe em Uruguaiana - explica o precavido José Carlos Taborda, 56 anos.
Assim que o Rio Uruguai, mais de 13 metros acima do nível habitual na região, começar a baixar, ele retorna para casa. E o distrito de São Marcos volta a se conectar com o resto do mundo.
Veja imagens dos estragos causados pela enchente em Uruguaiana:
Clique no município atingido e saiba o número de pessoas fora de casa:
Chuva causou duas mortes e mulher segue desaparecida
A chuva que atinge o Estado já provocou duas mortes, de Eracildo Luiz Assmann, 56 anos, em Arroio do Tigre, e José Lindomar da Silva, 40 anos, em Jacutinga. A namorada de Eracildo, Paula Thom, 23 anos, segue desaparecida. O carro em que o casal estava caiu no rio Caixão, em Arroio do Tigre, na noite do último sábado.